São Paulo, terça-feira, 28 de junho de 2005

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leituras cruzadas

Conheça algumas das obras de arte mais estranhas já feitas por grandes pintores e saiba por que elas são consideradas belas

O feio na parede

João Spinelli
Sergio Fabris
colaboração para a Folha

Para muita gente, uma obra de arte é uma obra bela. Quantas vezes você já ouviu alguém falar que achou um quadro "bonito" ou que certa exposição estava "linda"? Ao pensar assim, essas pessoas confundem o objeto de arte com uma mera peça complementar da decoração de ambientes. Muitos artistas, no entanto, usaram como tema de suas obras modelos que não são exatamente o que se pode chamar de belo: são seres grotescos, pessoas mutiladas, cenas dramáticas ou violentas.
Em exposição encerrada neste mês, o Centro Cultural Banco do Brasil mostrou algumas obras do artista mineiro Farnese de Andrade: havia cabeças de bonecas, bonequinhos de bebês amontoados e até a prótese de uma perna. Essa exposição demonstrou um pouco da inquietação dos artistas que, ao longo dos anos, em busca de novas linguagens, se apropriaram de temas que geram desconforto e que, evidentemente, não são objetos de arte adequados para decorar uma sala de jantar.
Esse tipo de produção artística, ao contrário do que possa parecer, não é uma característica da arte recente. Durante toda a história da arte existiram exemplos dessa inquietação: o holandês Hieronymus Bosch (1450-1516), o alemão Mathias Grünewald (aproximadamente 1480-1528), o italiano Leonardo da Vinci (1452-1519), o flamenco Pieter Brueghel (1525-1569), o espanhol Diego Velázquez (1599-1660), entre outros, trabalharam com padrões de beleza pouco convencionais.
Velázquez, por exemplo, durante a época em que trabalhava para Felipe 4º, além de retratar a infanta Margarida e a família real, como no famoso quadro "As Meninas" (1656), também ocupou-se em pintar temas nada convencionais, como bufões e anões, que o rei mantinha na corte para sua diversão. Os retratos desses seres patéticos e deformados mostram que o olhar do artista não estava somente direcionado a modelos de beleza: ele se preocupava em romper as barreiras estabelecidas com a intenção de criar novos paradigmas.
Rotulações e preconceitos estigmatizam obras e carreiras artísticas. Autores considerados "malditos", que no passado não foram devidamente apreciados e que não conseguiram vender suas obras, hoje são mitificados por museus, galerias e colecionadores. Por isso, da próxima vez que você ouvir que um quadro não é bonito, tome cuidado. Pode ser que ele seja realmente muito bom.


João Spinelli , 56, é historiador, crítico de arte e professor da Escola de Comunicação e Artes da USP (Universidade de São Paulo). Sergio Fabris , 43, é artista plástico.


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