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"É preciso criar a rota turística Staden"
Para o historiador Eduardo Bueno, idéia de rota turística inspirada em alemão está "caindo de madura"
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Ao saber que o assunto seria
o viajante, náufrago e escritor
alemão Hans Staden, que esteve no Brasil duas vezes no século 16, Eduardo Bueno, 49, decidiu quebrar a promessa de evitar distrações e atendeu ao pedido de entrevista da Folha.
E, de Porto Alegre, onde está
imerso em seu trabalho literário, afirmou não entender "como não tem uma agência brasileira, ou alemã, ou uma conexão brasileira e alemã que leve
as pessoas para refazer as viagens de Staden".
Escritor e historiador especializado em Brasil, Bueno é
autor da introdução à última
reedição brasileira do livro de
Staden, "Duas Viagens ao Brasil" (L&PM), deste ano. Leia
abaixo trechos da entrevista
que ele concedeu à Folha.
(MARINA DELLA VALLE)
FOLHA - Qual a importância do relato de Hans Staden atualmente?
EDUARDO BUENO - A principal
fonte sobre o ritual antropofágico continua a ser Hans Staden. Agora, quando o Monteiro
Lobato fez a adaptação do livro,
ele diz: "Está aqui um livro que
tem de entrar nas escolas brasileiras". Não me lembro a data [a
primeira adaptação de Lobato
foi publicada em 1925], já se
passaram tantos anos que ele
escreveu isso e é inacreditável
que não seja um livro que as
crianças e adolescentes sejam
estimulados a ler. É um livro
que tem tudo, do jeito que eu
vejo a história colonial, cheio
de ação, aventura, ataque de piratas. Acho que é uma forma de
estimular os alunos. Dá uma visão incrível da história da fundação do Brasil. Óbvio que não
pode ficar só no livro, depois é
preciso contextualizar, é bem o
momento da formação territorial do Brasil. Se aquela expedição espanhola do Sanabria da
qual Hans Staden fazia parte tivesse dado certo, a Argentina
seria vizinha de São Paulo, iria
até Iguape, até Cananéia no mínimo. De Cananéia pra baixo
seria tudo Argentina, quer dizer, eu digo Argentina...
FOLHA - Colonização espanhola?
BUENO - Isso mesmo! (risos).
FOLHA - Você diz na introdução: o
livro foi best-seller na Europa, mas o
Brasil custou a ter uma boa tradução...
BUENO - Isso é bem típico, bem
revelador (risos).
FOLHA - Qual a influência do livro
na formação da imagem que os europeus têm do Brasil?
BUENO - É um livro-chave para
a visão do Brasil, as duas maiores imagens que o europeu letrado do século 16 tinha do Brasil vêm do navegador florentino
Américo Vespúcio, com suas
cartas do Novo Mundo, e do
Hans Staden. As cartas tratam
de viagens exploradoras que
Vespúcio fez ao Brasil, e o que
mais chamou a atenção dos europeus foi a antropofagia, o ritual canibalístico. Aí o livro do
Hans Staden sai 50 anos depois
e repete esse impacto.
FOLHA - Os dois livros relatando o
canibalismo...
BUENO - E a imagem que os europeus fizeram do Brasil, e que
de certa forma ainda fazem,
vem muito desses livros: uma
terra de exotismo, de gente pelada, de grandes calores e grandes chuvas. Toda essa visão de
exotismo que o europeu ainda
projeta sobre o Brasil vem basicamente dessas duas fontes.
FOLHA - No Brasil, a primeira tradução sai só em 1892.
BUENO - Isso tem a ver também com o descaso que o Brasil
tem com a sua própria história.
E é só com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1938, que o país começa a resgatar sua história. Até
então era a história de Portugal.
A história do Brasil era vinculada a Portugal, e para Portugal
nem interessava divulgar o livro de Staden, era um livro que
ia contra os interesses lusitanos. Quando se inicia um movimento de resgate da história do
Brasil, que se dá mais plenamente com d. Pedro 2º, a partir
de 1850, daí vai se redescobrindo a existência do livro. Supõe-se que esse livro levou o Oswald
[de Andrade] e a Tarsila [do
Amaral] a lançar as bases do
movimento antropofágico.
FOLHA - Você poderia falar sobre a
influência do livro na nossa cultura?
BUENO - Foi enorme, os movimentos culturais brasileiros
ainda pagam tributos à Semana
de Arte Moderna de 1922 e à
antropofagia. Na música, a última grande coisa que teve na
música, na minha opinião, foi o
Chico Science [cantor e compositor pernambucano, morto
em 1997], e ele e o mangue beat
têm a ver com o tropicalismo, e
por sua vez o tropicalismo está
diretamente ligado ao movimento antropofágico, e todas
as manifestações culturais
mais bombásticas, de 1922 até
aqui. A gente ainda paga tributo
à Semana de Arte Moderna e ao
movimento antropofágico...
FOLHA - Você diz que o movimento antropofágico teria sido inspirado pela frase "Lá vem nossa comida
pulando"!
BUENO - Parece que foi em um
jantar na Cantareira (bairro na
zona norte de São Paulo), num
restaurante. A Cantareira ainda é afastada da cidade, imagine
em 1922. Estava o Oswald, a
Tarsila e outro poeta [Raul
Bopp], que tinha lido o livro de
Staden, citou a frase "lá vem
nossa comida pulando", e os
dois teriam ficado entusiasmadíssimos... Eu não vou afirmar
isso 100%, mas faz todo sentido. Se não é verdade, é melhor
que a verdade (risos).
FOLHA - Como a história de Hans
Staden podia ser melhor aproveitada pelo turismo?
BUENO - Eu não consigo entender como é que não tem umas
agências de turismo que a explorem. Eu mesmo já pensei
em criar uma! Não estou brincando, já tive reuniões sobre isso. Tem de criar um circuito de
viagens bastante centrado em
alemães, e digo isso porque tem
de ser uma coisa que dê lucro, é
óbvio que eu acho que as viagens têm de ser feitas por brasileiros também. É preciso fazer
um circuito para retraçar as
viagens de Hans Staden. Tem
lugares maravilhosos, alguns
intocados, o livro é maravilhoso. Está na cara, é uma coisa óbvia, está caindo de madura!
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