São Paulo, quinta-feira, 01 de maio de 2008

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"É preciso criar a rota turística Staden"

Para o historiador Eduardo Bueno, idéia de rota turística inspirada em alemão está "caindo de madura"

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Ao saber que o assunto seria o viajante, náufrago e escritor alemão Hans Staden, que esteve no Brasil duas vezes no século 16, Eduardo Bueno, 49, decidiu quebrar a promessa de evitar distrações e atendeu ao pedido de entrevista da Folha.
E, de Porto Alegre, onde está imerso em seu trabalho literário, afirmou não entender "como não tem uma agência brasileira, ou alemã, ou uma conexão brasileira e alemã que leve as pessoas para refazer as viagens de Staden".
Escritor e historiador especializado em Brasil, Bueno é autor da introdução à última reedição brasileira do livro de Staden, "Duas Viagens ao Brasil" (L&PM), deste ano. Leia abaixo trechos da entrevista que ele concedeu à Folha. (MARINA DELLA VALLE)

 

FOLHA - Qual a importância do relato de Hans Staden atualmente?
EDUARDO BUENO
- A principal fonte sobre o ritual antropofágico continua a ser Hans Staden. Agora, quando o Monteiro Lobato fez a adaptação do livro, ele diz: "Está aqui um livro que tem de entrar nas escolas brasileiras". Não me lembro a data [a primeira adaptação de Lobato foi publicada em 1925], já se passaram tantos anos que ele escreveu isso e é inacreditável que não seja um livro que as crianças e adolescentes sejam estimulados a ler. É um livro que tem tudo, do jeito que eu vejo a história colonial, cheio de ação, aventura, ataque de piratas. Acho que é uma forma de estimular os alunos. Dá uma visão incrível da história da fundação do Brasil. Óbvio que não pode ficar só no livro, depois é preciso contextualizar, é bem o momento da formação territorial do Brasil. Se aquela expedição espanhola do Sanabria da qual Hans Staden fazia parte tivesse dado certo, a Argentina seria vizinha de São Paulo, iria até Iguape, até Cananéia no mínimo. De Cananéia pra baixo seria tudo Argentina, quer dizer, eu digo Argentina...

FOLHA - Colonização espanhola?
BUENO
- Isso mesmo! (risos).

FOLHA - Você diz na introdução: o livro foi best-seller na Europa, mas o Brasil custou a ter uma boa tradução...
BUENO
- Isso é bem típico, bem revelador (risos).

FOLHA - Qual a influência do livro na formação da imagem que os europeus têm do Brasil?
BUENO
- É um livro-chave para a visão do Brasil, as duas maiores imagens que o europeu letrado do século 16 tinha do Brasil vêm do navegador florentino Américo Vespúcio, com suas cartas do Novo Mundo, e do Hans Staden. As cartas tratam de viagens exploradoras que Vespúcio fez ao Brasil, e o que mais chamou a atenção dos europeus foi a antropofagia, o ritual canibalístico. Aí o livro do Hans Staden sai 50 anos depois e repete esse impacto.

FOLHA - Os dois livros relatando o canibalismo...
BUENO
- E a imagem que os europeus fizeram do Brasil, e que de certa forma ainda fazem, vem muito desses livros: uma terra de exotismo, de gente pelada, de grandes calores e grandes chuvas. Toda essa visão de exotismo que o europeu ainda projeta sobre o Brasil vem basicamente dessas duas fontes.

FOLHA - No Brasil, a primeira tradução sai só em 1892.
BUENO
- Isso tem a ver também com o descaso que o Brasil tem com a sua própria história. E é só com a criação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 1938, que o país começa a resgatar sua história. Até então era a história de Portugal. A história do Brasil era vinculada a Portugal, e para Portugal nem interessava divulgar o livro de Staden, era um livro que ia contra os interesses lusitanos. Quando se inicia um movimento de resgate da história do Brasil, que se dá mais plenamente com d. Pedro 2º, a partir de 1850, daí vai se redescobrindo a existência do livro. Supõe-se que esse livro levou o Oswald [de Andrade] e a Tarsila [do Amaral] a lançar as bases do movimento antropofágico.

FOLHA - Você poderia falar sobre a influência do livro na nossa cultura?
BUENO
- Foi enorme, os movimentos culturais brasileiros ainda pagam tributos à Semana de Arte Moderna de 1922 e à antropofagia. Na música, a última grande coisa que teve na música, na minha opinião, foi o Chico Science [cantor e compositor pernambucano, morto em 1997], e ele e o mangue beat têm a ver com o tropicalismo, e por sua vez o tropicalismo está diretamente ligado ao movimento antropofágico, e todas as manifestações culturais mais bombásticas, de 1922 até aqui. A gente ainda paga tributo à Semana de Arte Moderna e ao movimento antropofágico...

FOLHA - Você diz que o movimento antropofágico teria sido inspirado pela frase "Lá vem nossa comida pulando"!
BUENO
- Parece que foi em um jantar na Cantareira (bairro na zona norte de São Paulo), num restaurante. A Cantareira ainda é afastada da cidade, imagine em 1922. Estava o Oswald, a Tarsila e outro poeta [Raul Bopp], que tinha lido o livro de Staden, citou a frase "lá vem nossa comida pulando", e os dois teriam ficado entusiasmadíssimos... Eu não vou afirmar isso 100%, mas faz todo sentido. Se não é verdade, é melhor que a verdade (risos).

FOLHA - Como a história de Hans Staden podia ser melhor aproveitada pelo turismo?
BUENO
- Eu não consigo entender como é que não tem umas agências de turismo que a explorem. Eu mesmo já pensei em criar uma! Não estou brincando, já tive reuniões sobre isso. Tem de criar um circuito de viagens bastante centrado em alemães, e digo isso porque tem de ser uma coisa que dê lucro, é óbvio que eu acho que as viagens têm de ser feitas por brasileiros também. É preciso fazer um circuito para retraçar as viagens de Hans Staden. Tem lugares maravilhosos, alguns intocados, o livro é maravilhoso. Está na cara, é uma coisa óbvia, está caindo de madura!


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