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POR DENTRO BUMBA-MEU-BOI
Lenda anima festa junina no Maranhão
JOSÉ ALBERTO GONÇALVES
free-lance para a Folha
Catirina, grávida, desejava a língua do boi. Pai Francisco, atendendo ao capricho de sua mulher,
rouba o boi de seu amo, o dono da
fazenda onde trabalhava, e arranca
a língua do animal.
Delatado, Pai Francisco é preso.
Sob ameaça de morte, Nego Chico
terá de dar conta do boi. Doutores
e pajés são chamados para curar o
bicho, que finalmente ressuscita.
Pai Francisco é solto, e todos festejam a volta do boi.
Essa é, em resumo, a lenda que
originou o auto do bumba-meu-boi, que começou como
brincadeira de escravos e transformou-se no carro-chefe dos festejos
juninos no Maranhão.
Diferente do que ocorre em outros Estados, onde o boi integra o
ciclo das festas natalinas, no Maranhão ele é promovido em intenção
de São João.
Por isso, o auge das apresentações desse folguedo se dá em junho, especialmente entre os dias
23 (véspera de São João) e 30 (dia
de São Marçal).
Por meio de cantos, danças e coreografias, os participantes do
bumba-meu-boi homenageiam
São João e pagam promessas.
Segundo Maria Michol Pinho de
Carvalho, diretora do Centro de
Cultura Popular do Maranhão, "o
boi funciona como veículo de comunicação espiritual, ponte de ligação entre santo e devotos".
"O boi expressa o sincretismo
religioso", diz Sérgio Ferretti,
professor de antropologia da Universidade Federal do Maranhão.
Segundo Ferretti, durante os festejos juninos, o boi visita seus protetores, a fim de homenageá-los.
Não importa se são os santos católicos ou caboclos e pretos velhos
presentes no tambor de mina, espécie de candomblé maranhense,
de origem nagô.
Além de alusões ao auto original,
envolvendo os escravos Catirina e
Pai Francisco, as toadas satirizam
personagens famosos e protestam
contra cenas da política, entre outros assuntos em evidência.
Improviso
Como uma espécie de cordel coletivo, o puxador cria versos de
improviso. Os participantes fazem
coro no refrão ou cantam toadas.
Segundo Maria, a reação da sociedade maranhense ao boi nem
sempre foi de aplausos.
"Enquanto manifestação cultural dos setores populares, durante
o século 19 até cerca de 40 anos
atrás, o boi foi violentamente discriminado, perseguido e reprimido", afirma a diretora.
Ela conta que a imprensa maranhense considerava o boi um folguedo estúpido e imoral, uma
"brincadeira" dos negros contra
a ordem, a civilização e a moral.
Por isso, até as décadas de 30 e
40, o boi não ia até o centro da cidade. Segundo Maria, a elite maranhense não aceitava o barulho e as
perturbações da festa.
Além do bumba-meu-boi, quem
visitar São Luís em junho vai conhecer outras manifestações, como o tambor de crioula, a dança de
São Gonçalo, o Coco, Bambaê de
Caixa, Cacuriá, Fita, Boiadeiro,
Facão, Portuguesa e as quadrilhas.
O calendário do bumba-meu-boi
tem início com os ensaios, a partir
do sábado de Aleluia, e seu auge se
dá durante os festejos juninos.
No dia de Santo Antônio, 13 de
junho, os grupos realizam os últimos preparativos. De acordo com
a tradição, os bois não tocam até a
véspera de São João.
No dia 23 de junho, ocorre o batismo do boi. Segundo Ferretti, até
os anos 50, o boi era batizado dentro da igreja de São João.
A cerimônia foi proibida nos
anos 60 por padres. Por isso, os batismos passaram a ser feitos na
frente da igreja ou em casas com a
imagem de São João. Batizado, o
boi visita casas, terreiros e arraiais.
A capela de São Pedro recebe, no
dia 29, as visitas dos bois, que homenageiam o santo. No dia seguinte, de São Marçal, os bois se
despedem no bairro de João Paulo.
O ritual da morte do boi estende-se geralmente de julho até outubro. Também há bois que se
apresentam fora do calendário tradicional da festa.
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