São Paulo, segunda, 5 de outubro de 1998

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QUALQUER VIAGEM

A temporada da tolice está vindo por aí outra vez

DAVID DREW ZINGG
em Sampa

"Não -mas que interessante! Me conte, quem será nosso adversário?" Otto von Habsburg, herdeiro do há muito tempo defunto Império Austro-Húngaro, em 1990, ao ser indagado se assistiria à partida de futebol entre Áustria e Hungria.

Diga-me, Joãozinho, será que estou enganado ou este nosso mundo está realmente ficando cada vez mais bobo?
Quando eu era repórter novato, havia uma coisa que meu editor chamava de "a temporada das tolices". Ela geralmente acontecia no meio do verão.
Era a época do ano em que as notícias chegavam devagar, quase parando, os políticos todos estavam de férias, na praia, e o pessoal de relações públicas inventava coisas do tipo concursos de sósias da Madonna.
Mas o que estou começando a notar é que a temporada das tolices está começando a se multiplicar. Agora há uma temporada das tolices que se estende praticamente pelo ano inteiro. Vamos pular o agitado período pré-eleitoral sem maiores comentários, OK?
(Se você é colecionador de exemplares cinco estrelas de tolices, já deve ser o orgulhoso proprietário de uma camiseta com motivo Collor, hoje artigo raro. É aquela que diz: "Nosso próximo presidente. Ele é bronzeado, está descansado e está pronto para o que der e vier!".)
Não me interprete mal. Adoro asneiras. É bom mesmo que eu seja assim, já que o mundo abilolou de vez. A Gringolândia, é claro, lidera o desfile, com o "Pingolim Perambulante" Clinton e Monica "Pirulito" Lewinsky.

Crescendo na terra do besteirol
Tio Dave -como você, sem dúvida, com seu brilhantismo habitual, já deve ter deduzido- foi criado no ramo bobinho de uma família engraçada.
Minha avó sempre tocava ao piano uma música que chamava de "A Canção das Risadas". A melodia era uma série de sequências de notas ascendentes e descendentes. Não havia letra.
Em lugar de palavras, o que fazíamos era cantar risadas, acompanhando as notas. A música era assim: ha, ha, ha, ha, ha, ha, ho, ho, ho, ho, ho. Minha avó sempre nos avisava que era uma canção muito séria e que a complicada letra tinha de ser cantada com toda a dignidade.
O problema da música era que sempre, inevitavelmente, alguém começava a rir depois de alguns acordes. Depois outra pessoa começava a rir, e a seguir, mais outra.
Quando a "Canção das Risadas" chegava ao fim, quase todos os presentes estavam gargalhando em alto e bom som.

Os Três Patetas, não
Não me interprete mal, Joãozinho. Não estou querendo dizer que somos uma família do estilo dos Três Patetas, o tipo de família que equilibra baldes d'água em cima da porta do banheiro e rola no chão de tanto rir quando alguém se ensopa.
(Mas devo confessar que, quando eu tinha dez bobinhos anos de vida, minha idéia de diversão com minha robusta e alegre avó germano-suíça era me aproximar despercebido e puxar sua cinta modeladora elástica. Para meu grande deleite, ela sempre gritava alto, fingindo susto.)
Essa demonstração de humor pré-adolescente fornece mais um argumento sólido a favor da teoria, cada vez mais aceita, de que a melhor utilização possível da criogenia seria congelar os rapazes quando ingressam na idade expressa em dois algarismos, descongelando-os apenas quando completassem 21 anos.
Acho que meus pais souberam me educar bem.

Uma picada de cobra bobinha
Cresci rindo da ilimitada capacidade humana de falar e fazer tolices e besteirol. Exemplo: o caso de um vizinho nosso que, quando indiciado por dirigir embriagado, jurou ao juiz que a razão pela qual havia enrolado a língua ao falar com o policial e se negado a soprar no bafômetro era que acabara de ser picado na língua por uma cobra comedora de ratos e que estava a caminho do hospital local para tratar o inchaço resultante.
Viver num clima de tolice permanente parece ser a maneira mais correta e prazerosa de sobreviver nestes tempos difíceis, especialmente num ano eleitoral.
A tolice também fez de mim um pai muito melhor, já que sei fazer uma imitação convincente de Godzilla.
Você não faz idéia de como é mais fácil criar filhos pequenos quando se sabe fazer imitações convincentes de Godzilla e King Kong, trepado no alto do piano de cauda da sala.
Talvez você ache que esse comportamento não é condizente com meu emprego de colunista sério, mas considere o seguinte: há muitos colunistas sérios à sua disposição, para ser lidos seriamente. E poucos que escrevem besteirol.
E menos ainda que sabem fazer uma imitação realmente realista de Godzilla.


Tradução de Clara Allain.



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