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FERNANDO GABEIRA
Illinois, a luz no fim do corredor da morte
A decisão do governador
George Ryan, de Illinois,
suspendendo a pena de morte de
condenados no seu Estado, é uma
das grandes notícias do ano. Na
aparência, foi um gesto emocional, destinado a comover os milhões de militantes de direitos humanos no mundo. Mas, na realidade mais profunda, foi uma decisão madura, precedida de longos debates e do trabalho de uma
comissão de 14 membros, entre
eles o escritor e advogado Scott
Turow.
Autor de vários best-sellers, Turow, que trabalhou defendendo
Alejandro Fernandez, um condenado à pena de morte, faz um
longo relato de suas reflexões na
revista "New Yorker". O interessante é que ele nunca foi um
grande entusiasta da abolição da
pena, mas o contato com o problema e o estudo da criminalidade acabaram definindo seu voto
contrário à pena de morte na comissão criada por Ryan. O texto
de Turow nos dá algumas pistas
para entender a resistência americana à proposta européia, tendo
a França à frente da abolição da
pena. O americano comum acha
que os índices de criminalidade
nos EUA e no continente europeu
são tão distintos que não pode haver um transplante mecânico.
Conhecedor das teses dos defensores da pena de morte, Turow
começa liquidando uma das mais
caras: a de que a decisão contribui para reduzir a criminalidade.
Illinois com a pena de morte tem
um índice de criminalidade mais
alto que Michigan, um Estado
com a mesma estrutura racial, nível de renda e distribuição humana entre campo e zonas rurais. As
pesquisas sobre o tema vão mais
longe, mostrando que, na última
década, os índices de assassinato
nos Estados com pena de morte
foram mais altos do que nos Estados onde ela não vigora.
Turow compreende o argumento de que crimes repugnantes merecem um castigo diferenciado.
Mas, baseado na sua experiência,
ele mostra como é necessário uma
enorme precisão no sistema de
justiça para que se evitem os erros. Nos últimos 25 anos, em Illinois, 13 condenados tiveram suas
penas suspensas, porque as sentenças estavam equivocadas.
Embora a ambivalência tenha
dominado a opinião pública na
questão da pena de morte, Turow
lembra que Michigan foi, em
1846, o primeiro Estado a suspendê-la, exceto para casos de traição.
Depois da Segunda Guerra,
com o fim de alguns governos totalitários, os países avançados começaram a abolir a pena de morte. A França está entre eles, e a
história da abolição, conquistada
oficialmente em 30 de setembro
de 1981, hoje é uma realidade européia.
Robert Badinter, autor do livro
"L'Abolition" (ed.Fayard, 326
págs), conta a longa história de
luta contra a pena de morte entre
os franceses. Luta da qual participou diretamente, influenciando
seu país a projetá-la no cenário
internacional. Badinter considera que a abolição marca um progresso irreversível da humanidade contra seus medos, suas angústias e sua violência.
A maneira como o governador
Ryan conduziu o processo mostra
como é mais promissora a luta
contra a pena de morte num contexto democrático, ampliando as
esperanças de que a própria vitalidade política e cultural dos EUA
se encarregue de eliminá-la. A
mesma esperança não se estende
a países como o Irã e a China, refratários à pressão externa, mas
sobretudo rígidos com as críticas
no interior de seu sistema político.
O Brasil poderia ser um protagonista nesse front internacional
pela abolição da pena de morte. A
abolição é uma cláusula pétrea
em nossa Constituição. Temos entretanto um calcanhar de Aquiles: as execuções sumárias realizadas pelas polícias das metrópoles. Há alguns dias, 11 pessoas foram mortas numa nebulosa ação
policial no Rio. Os jornais registraram. Mas as mortes isoladas,
cotidianas, só aparecem na sua
plenitude quando se transformam em estatísticas anuais. Nesse momento, constatamos que
existe uma espécie de pena de
morte muito pior do que nos outros países. Ela é sumária, sem
julgamento.
Mesmo com todos os seus erros,
os norte-americanos, às vezes, levam dez anos com recursos e revisões, antes de executar um prisioneiro. Só quando levarmos realmente a Constituição a sério no
cotidiano, poderemos repetir, sem
o risco de sermos ironizados, a
máxima de Cesare Beccaria: "se
provar que essa pena não é útil
nem necessária, terei feito triunfar a causa da humanidade".
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