São Paulo, segunda-feira, 22 de abril de 2002

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Movimento que trouxe de volta as raízes locais completa dez anos difundindo sua arte pelo mundo

Cozinha regional abusa de heranças étnicas

DO ENVIADO ESPECIAL AO HAVAÍ

Uma onda gigante, a Hawaiian Regional Cuisine completou dez anos no fim do ano passado, reunindo em Oahu 12 chefs que se insurgiram contra o mahimahi (tipo de peixe) congelado e os hortifrutis produzidos até então em grande quantidade para redes de hotéis e de restaurantes no Havaí.
Magos da arte culinária, esses chefs rebeldes colocaram, com a exigência de utilizar peixe fresco e, sobretudo, com um manifesto em prol da boa mesa, apelidado de HRC (sigla para Hawaiian Regional Cuisine), aquela multifacetada culinária regional no mapa da gastronomia.
A revolução, cuja primeira década foi celebrada no hotel Sheraton Waikiki, reuniu, além dos chefs originais, outros 13, que agora integram a HRC, noviça em 1991 -e hoje uma realidade no arquipélago (leia a lista de locais adeptos à cozinha nesta página).
"Nunca acredite num chef magricela", declarou Sam Choy no encontro. Um dos cozinheiros da primeira leva da HRC, ele virou um peso-pesado tão grande que outros chefs batizam pratos com seu nome -caso do carré de cordeiro a Hunan, de Beverly Gannon; do pato kalua, de David Paul Johnson; e do suflê de chocolate de Roy Yamaguchi.
Além do imenso talento de Choy, cujo restaurante fica nos arredores do Diamond Head, uma espécie de Pão de Açúcar havaiano, a revolução da gastronomia no arquipélago se deve, também, à ajuda dos fazendeiros, pequenos fazendeiros, aliás.
Há uma década, eles adquiriram partes de imensas fazendas que, nos anos 50, 60 e 70, serviram de base para as culturas de cana-de-açúcar e abacaxi, até então plantados em larga escala.
Insatisfeitos, os chefs -que se associaram aos novos fazendeiros- lamentavam nos restaurantes que muitos dos ingredientes fossem congelados ou saíssem de uma lata.
Sentiam ainda a falta de uma culinária local, que espelhasse a rica herança representada no arquipélago pela culinária polinésia nativa, pelos temperos e aromas vindos da Ásia e pelo legado decorrente das sucessivas ondas imigratórias que trouxeram gente de todo o mundo ao 50º Estado dos EUA.
Queriam que os visitantes tivessem contato com a comida havaiana, provassem o milho de Kahuku, as batatas-doces de Malokai e raízes como o taro, espécie de mandioca que brota em terrenos alagados -e com a qual os havaianos fazem o poi, um mingau que alimenta crianças ou serve de acompanhamento de pratos, lembrando o nosso pirão.

Ingredientes
Além das comidas polinésias, a HRC foi à luta na busca de ingredientes, explorou os mercados de Chinatown, onde abusou dos ingredientes exóticos, dos bolinhos cozidos no vapor ("dim-sum"), do churrasco à moda coreana, dos rolinhos tailandeses, das malasadas (tipo de sonho), dos doces e dos embutidos portugueses -comidas que vieram na bagagem e na memória dos imigrantes.
Bem-sucedidos em seu esforço de dar início a uma gastronomia regional havaiana, aquela dúzia de chefs se reuniu novamente no Estado do Havaí.
Além de Sam Choy, figura onipresente na cena gastronômica local, estiveram lá Philippe Padovani, famoso por suas trufas de chocolate com frutas (veja texto na pág. F9) e os outros dez pioneiros da HRC: Roy Yamaguchi, Alan Wong, Gary Strehl, Roger Dikon, Mark Ellman, Beverly Gannon, Jean Marie Josselin, George Mavro, Peter Merriman e Amy Ferguson Ota.
Comida multiétnica com "espírito de "aloha'", de acordo com eles, a Hawaiian Regional Cuisine logo ancorou seu sucesso no frescor dos alimentos, nas fazendas que cultivam tomates e hortaliças melhores e também nos camarões e peixes com tecnologia avançada, monitorada pelo Oceanic Institute, órgão científico sem fins lucrativos que, desde 1960, orienta criadores do camarão-branco do Pacífico ("pacific white shrimp") e dos peixes kahala e moi, este último o preferido pela antiga realeza havaiana.
Prova viva da fusão de etnias eles mesmos, os chefs estão dispersos, alguns trabalhando em outros Estados norte-americanos ou até em outros países.
Do Havaí, Sam Choy comanda um programa de TV e uma rede de restaurantes que levam seu nome para os quatro cantos do mundo; já George Mavro e Phillipe Padovani são franceses; e Alan Wong tem raízes familiares em imigrantes vindos das Filipinas e do Japão.
(SILVIO CIOFFI)


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