|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Movimento que trouxe de volta as raízes locais completa dez anos difundindo sua arte pelo mundo
Cozinha regional abusa de heranças étnicas
DO ENVIADO ESPECIAL AO HAVAÍ
Uma onda gigante, a Hawaiian
Regional Cuisine completou dez
anos no fim do ano passado, reunindo em Oahu 12 chefs que se insurgiram contra o mahimahi (tipo de peixe) congelado e os hortifrutis produzidos até então em
grande quantidade para redes de
hotéis e de restaurantes no Havaí.
Magos da arte culinária, esses
chefs rebeldes colocaram, com a
exigência de utilizar peixe fresco
e, sobretudo, com um manifesto
em prol da boa mesa, apelidado
de HRC (sigla para Hawaiian Regional Cuisine), aquela multifacetada culinária regional no mapa
da gastronomia.
A revolução, cuja primeira década foi celebrada no hotel Sheraton Waikiki, reuniu, além dos
chefs originais, outros 13, que
agora integram a HRC, noviça em
1991 -e hoje uma realidade no
arquipélago (leia a lista de locais
adeptos à cozinha nesta página).
"Nunca acredite num chef magricela", declarou Sam Choy no
encontro. Um dos cozinheiros da
primeira leva da HRC, ele virou
um peso-pesado tão grande que
outros chefs batizam pratos com
seu nome -caso do carré de cordeiro a Hunan, de Beverly Gannon; do pato kalua, de David Paul
Johnson; e do suflê de chocolate
de Roy Yamaguchi.
Além do imenso talento de
Choy, cujo restaurante fica nos arredores do Diamond Head, uma
espécie de Pão de Açúcar havaiano, a revolução da gastronomia
no arquipélago se deve, também,
à ajuda dos fazendeiros, pequenos fazendeiros, aliás.
Há uma década, eles adquiriram partes de imensas fazendas
que, nos anos 50, 60 e 70, serviram
de base para as culturas de cana-de-açúcar e abacaxi, até então
plantados em larga escala.
Insatisfeitos, os chefs -que se
associaram aos novos fazendeiros- lamentavam nos restaurantes que muitos dos ingredientes
fossem congelados ou saíssem de
uma lata.
Sentiam ainda a falta de uma
culinária local, que espelhasse a
rica herança representada no arquipélago pela culinária polinésia
nativa, pelos temperos e aromas
vindos da Ásia e pelo legado decorrente das sucessivas ondas
imigratórias que trouxeram gente
de todo o mundo ao 50º Estado
dos EUA.
Queriam que os visitantes tivessem contato com a comida havaiana, provassem o milho de Kahuku, as batatas-doces de Malokai e raízes como o taro, espécie
de mandioca que brota em terrenos alagados -e com a qual os
havaianos fazem o poi, um mingau que alimenta crianças ou serve de acompanhamento de pratos, lembrando o nosso pirão.
Ingredientes
Além das comidas polinésias, a
HRC foi à luta na busca de ingredientes, explorou os mercados de
Chinatown, onde abusou dos ingredientes exóticos, dos bolinhos
cozidos no vapor ("dim-sum"),
do churrasco à moda coreana, dos
rolinhos tailandeses, das malasadas (tipo de sonho), dos doces e
dos embutidos portugueses -comidas que vieram na bagagem e
na memória dos imigrantes.
Bem-sucedidos em seu esforço
de dar início a uma gastronomia
regional havaiana, aquela dúzia
de chefs se reuniu novamente no
Estado do Havaí.
Além de Sam Choy, figura onipresente na cena gastronômica
local, estiveram lá Philippe Padovani, famoso por suas trufas de
chocolate com frutas (veja texto
na pág. F9) e os outros dez pioneiros da HRC: Roy Yamaguchi,
Alan Wong, Gary Strehl, Roger
Dikon, Mark Ellman, Beverly
Gannon, Jean Marie Josselin,
George Mavro, Peter Merriman e
Amy Ferguson Ota.
Comida multiétnica com "espírito de "aloha'", de acordo com eles,
a Hawaiian Regional Cuisine logo
ancorou seu sucesso no frescor
dos alimentos, nas fazendas que
cultivam tomates e hortaliças melhores e também nos camarões e
peixes com tecnologia avançada,
monitorada pelo Oceanic Institute, órgão científico sem fins lucrativos que, desde 1960, orienta criadores do camarão-branco do Pacífico ("pacific white shrimp") e
dos peixes kahala e moi, este último o preferido pela antiga realeza
havaiana.
Prova viva da fusão de etnias
eles mesmos, os chefs estão dispersos, alguns trabalhando em
outros Estados norte-americanos
ou até em outros países.
Do Havaí, Sam Choy comanda
um programa de TV e uma rede
de restaurantes que levam seu nome para os quatro cantos do
mundo; já George Mavro e Phillipe Padovani são franceses; e Alan
Wong tem raízes familiares em
imigrantes vindos das Filipinas e
do Japão.
(SILVIO CIOFFI)
Texto Anterior: Cook passou de deus a diabo em meses Próximo Texto: Chefs locais criaram gastronomia original Índice
|