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Ousadia deu sabor à Hawaiian Regional Cuisine
DO ENVIADO ESPECIAL
Assim como os cozinheiros,
dois jornalistas e um punhado de
jovens fazendeiros de Oahu tiveram um papel essencial na criação
da Hawaiian Regional Cuisine
(HRC), nos idos de 1991/1992. Os
jornalistas, ainda ativos, que ajudaram a forjar a nova escola são
John Heckathorn, editor do "Honolulu Restaurant Guide", e Betty
Shimakuburo, que foi crítica de
gastronomia do "Honolulu Star-Bulletin".
Até então, o Havaí tinha hotéis
enormes, onde o turista encontrava a famigerada cozinha internacional, e grandes propriedades,
onde fazendeiros tradicionalistas
primordialmente produziam
abacaxi e cana-de-açúcar para o
mercado externo.
O abacaxi, que na maioria dos
casos era exportado enlatado, era
obtido por meio do cruzamento
de espécies vindas da Ásia e da
América do Sul. O resultado era
uma variedade menos ácida para
a confecção de compota, que "viajava" melhor quando a fruta era
comercializada "in natura".
Com o tempo, ficou meio sem
sentido exportar latas para o Havaí e depois exportá-las novamente com a fruta em compota.
Com o declínio das duas culturas,
as fazendas foram divididas.
Novos fazendeiros, muitos de
origem japonesa, como os irmãos
Matsuda, foram pressionados pelos chefs de cozinha emergentes e
passaram a produzir novos ingredientes, das minifolhas verdes de
salada até a baunilha natural, uma
orquídea que não floresce no território continental dos EUA. O
único produtor do "tempero" é
Jim Reddekopp Jr., dono da Hawaiian Vanilla Company (site
www.vanillavineyards.com).
Ainda sobre a baunilha natural,
é curioso notar que esse "tempero" é considerado o segundo mais
caro do mundo, perdendo apenas
para o açafrão, que obviamente
não é cultivado no Havaí.
Trajetória
Até que o manifesto dos 12 chefs
fundando a HRC fosse lançado,
não é exagero dizer que não havia
uma arte culinária local que espelhasse a diversidade possível dos
sabores do Havaí.
E foi esse encontro entre chefs e
fazendeiros que, além de resgatar
o frescor dos ingredientes, encarou a diversidade étnica, trazendo
as diferenças para a mesa.
Na base dessa revolução estavam as diferentes cozinhas trazidas por imigrantes japoneses, chineses, filipinos, coreanos, portugueses e até franceses.
Mas convém lembrar que,
quando o capitão Cook aportou
no Havaí, em 1778 (veja texto à
pág. F7), encontrou uma população com hábitos alimentares e
maneiras de assar e preparar comida nada rudimentares.
E, se hoje a criação de peixes e
camarões é uma realidade que
junta fazendeiros e a tecnologia
em piscicultura desenvolvida pelo
Oceanic Institute, convém lembrar que a antiga realeza havaiana
já criava em poças d'água especialmente concebidas peixes como o moi -hoje novamente revalorizado pela HRC.
Com o tempo, o Havaí tornou-se parada obrigatória de navios
que singravam os mares da Polinésia e lá se abasteciam.
Mas o movimento de estrangeiros também trouxe às ilhas técnicas como a de salgar peixes, além
de introduzir plantas frutíferas e
comestíveis no arquipélago.
A chegada de missionários cristãos depois dos anos 1820 também se refletiu na dieta dos havaianos. Os religiosos trouxeram
na bagagem batatas e maçãs, o
queijo e a manteiga, além da carne
enlatada nada bíblica do tipo
"corned beef".
Foi em meados do século 19 que
os canaviais começaram a ser
plantados em imensas extensões
de terra com vistas à exportação.
Para lidar com a lavoura da cana, foram trazidos imigrantes da
China, que, por sua vez, introduziram em terras havaianas o arroz, diversos vegetais e raízes como o gengibre.
Além de plantas, os chineses
trouxeram na mala inúmeras maneiras de cozinhar, fritar e temperar -e o mercado de Chinatown,
em Honolulu, é, desde então, referência para chefs e glutões.
Símbolo da riqueza gastronômica de Honolulu, esse mercado
foi edificado com pedras que vinham de todo o mundo e que serviam de lastro para os navios. E
assim, quando um incêndio consumiu o mercado, em 1896, Chinatown foi reconstruída mais do
que depressa.
Outra influência extremamente
enriquecedora para a culinária
havaiana foi a chegada dos japoneses, que imigraram com temperos como o shoyu na bagagem.
Entre os asiáticos, é notória a revolução que as pimentas e o alho,
introduzidos pelos coreanos, imprimiram à comida local.
Também os portugueses levaram ao Havaí algumas de suas comidas mais típicas, como pães,
doces e embutidos, ainda hoje
muito comuns na mesa.
Entre os destaques da comida
havaiana estão pratos que, embora autênticos, também sofreram
influências dessa mescla de culturas chamada por alguns autores
de "cooking pot".
O porco kalua, enterrado e assado envolto em folhas de bananeira, com pedras quentes no interior, é servido nos luaus para turistas, mas não deixa de ser uma
referência.
Espécie de mandioca que nasce
em terrenos alagadiços, o taro
também virou ingrediente importante -e chefs como Sam Choy
usam em seus pratos de frutos do
mar o seu subproduto, uma espécie de mingau que os havaianos
chamam de poi.
O café de kona, apesar de muito
misturado a cafés importados de
baixa qualidade, é outro produto
importante das ilhas. Idem às nozes de macadâmia, que, embora
sejam originárias da Austrália, foram totalmente incorporadas à
culinária local.
Assim, se é verdade a máxima
de que a cozinha é a expressão da
cultura e consequência da produção, dá até para concluir que, depois de uma década, a Hawaiian
Regional Cuisine foi uma receita
que deu certo.
(SC).
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