São Paulo, segunda-feira, 22 de abril de 2002

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Ousadia deu sabor à Hawaiian Regional Cuisine

DO ENVIADO ESPECIAL

Assim como os cozinheiros, dois jornalistas e um punhado de jovens fazendeiros de Oahu tiveram um papel essencial na criação da Hawaiian Regional Cuisine (HRC), nos idos de 1991/1992. Os jornalistas, ainda ativos, que ajudaram a forjar a nova escola são John Heckathorn, editor do "Honolulu Restaurant Guide", e Betty Shimakuburo, que foi crítica de gastronomia do "Honolulu Star-Bulletin".
Até então, o Havaí tinha hotéis enormes, onde o turista encontrava a famigerada cozinha internacional, e grandes propriedades, onde fazendeiros tradicionalistas primordialmente produziam abacaxi e cana-de-açúcar para o mercado externo.
O abacaxi, que na maioria dos casos era exportado enlatado, era obtido por meio do cruzamento de espécies vindas da Ásia e da América do Sul. O resultado era uma variedade menos ácida para a confecção de compota, que "viajava" melhor quando a fruta era comercializada "in natura".
Com o tempo, ficou meio sem sentido exportar latas para o Havaí e depois exportá-las novamente com a fruta em compota. Com o declínio das duas culturas, as fazendas foram divididas.
Novos fazendeiros, muitos de origem japonesa, como os irmãos Matsuda, foram pressionados pelos chefs de cozinha emergentes e passaram a produzir novos ingredientes, das minifolhas verdes de salada até a baunilha natural, uma orquídea que não floresce no território continental dos EUA. O único produtor do "tempero" é Jim Reddekopp Jr., dono da Hawaiian Vanilla Company (site www.vanillavineyards.com).
Ainda sobre a baunilha natural, é curioso notar que esse "tempero" é considerado o segundo mais caro do mundo, perdendo apenas para o açafrão, que obviamente não é cultivado no Havaí.

Trajetória
Até que o manifesto dos 12 chefs fundando a HRC fosse lançado, não é exagero dizer que não havia uma arte culinária local que espelhasse a diversidade possível dos sabores do Havaí.
E foi esse encontro entre chefs e fazendeiros que, além de resgatar o frescor dos ingredientes, encarou a diversidade étnica, trazendo as diferenças para a mesa.
Na base dessa revolução estavam as diferentes cozinhas trazidas por imigrantes japoneses, chineses, filipinos, coreanos, portugueses e até franceses.
Mas convém lembrar que, quando o capitão Cook aportou no Havaí, em 1778 (veja texto à pág. F7), encontrou uma população com hábitos alimentares e maneiras de assar e preparar comida nada rudimentares.
E, se hoje a criação de peixes e camarões é uma realidade que junta fazendeiros e a tecnologia em piscicultura desenvolvida pelo Oceanic Institute, convém lembrar que a antiga realeza havaiana já criava em poças d'água especialmente concebidas peixes como o moi -hoje novamente revalorizado pela HRC.
Com o tempo, o Havaí tornou-se parada obrigatória de navios que singravam os mares da Polinésia e lá se abasteciam.
Mas o movimento de estrangeiros também trouxe às ilhas técnicas como a de salgar peixes, além de introduzir plantas frutíferas e comestíveis no arquipélago.
A chegada de missionários cristãos depois dos anos 1820 também se refletiu na dieta dos havaianos. Os religiosos trouxeram na bagagem batatas e maçãs, o queijo e a manteiga, além da carne enlatada nada bíblica do tipo "corned beef".
Foi em meados do século 19 que os canaviais começaram a ser plantados em imensas extensões de terra com vistas à exportação.
Para lidar com a lavoura da cana, foram trazidos imigrantes da China, que, por sua vez, introduziram em terras havaianas o arroz, diversos vegetais e raízes como o gengibre.
Além de plantas, os chineses trouxeram na mala inúmeras maneiras de cozinhar, fritar e temperar -e o mercado de Chinatown, em Honolulu, é, desde então, referência para chefs e glutões.
Símbolo da riqueza gastronômica de Honolulu, esse mercado foi edificado com pedras que vinham de todo o mundo e que serviam de lastro para os navios. E assim, quando um incêndio consumiu o mercado, em 1896, Chinatown foi reconstruída mais do que depressa.
Outra influência extremamente enriquecedora para a culinária havaiana foi a chegada dos japoneses, que imigraram com temperos como o shoyu na bagagem.
Entre os asiáticos, é notória a revolução que as pimentas e o alho, introduzidos pelos coreanos, imprimiram à comida local.
Também os portugueses levaram ao Havaí algumas de suas comidas mais típicas, como pães, doces e embutidos, ainda hoje muito comuns na mesa.
Entre os destaques da comida havaiana estão pratos que, embora autênticos, também sofreram influências dessa mescla de culturas chamada por alguns autores de "cooking pot".
O porco kalua, enterrado e assado envolto em folhas de bananeira, com pedras quentes no interior, é servido nos luaus para turistas, mas não deixa de ser uma referência.
Espécie de mandioca que nasce em terrenos alagadiços, o taro também virou ingrediente importante -e chefs como Sam Choy usam em seus pratos de frutos do mar o seu subproduto, uma espécie de mingau que os havaianos chamam de poi.
O café de kona, apesar de muito misturado a cafés importados de baixa qualidade, é outro produto importante das ilhas. Idem às nozes de macadâmia, que, embora sejam originárias da Austrália, foram totalmente incorporadas à culinária local.
Assim, se é verdade a máxima de que a cozinha é a expressão da cultura e consequência da produção, dá até para concluir que, depois de uma década, a Hawaiian Regional Cuisine foi uma receita que deu certo. (SC).


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