São Paulo, segunda-feira, 22 de julho de 2002

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"Fiz da poesia um sofá de analista"

FREE-LANCE PARA A FOLHA

Drummond viveu a maior parte de sua vida no Rio. Vindo de uma família de fazendeiros em decadência, morava em uma casa no centro de Itabira e passava as férias na fazenda dos Doze Vinténs, ou do Pontal, a 12 km do centro da cidade.
Cursou parte do ginásio em Belo Horizonte e outra parte em Nova Friburgo (RJ), no colégio Anchieta, de jesuítas, de onde foi expulso por "insubordinação mental". De volta a Belo Horizonte, iniciou a carreira de escritor no "Diário de Minas", que reunia adeptos do modernismo mineiro.
Com a insistência familiar por um diploma, formou-se em farmácia em Belo Horizonte em 1925. Fundou com outros escritores "A Revista", que durou poucos meses, mas foi importante veículo de afirmação do movimento modernista em Minas. Drummond ingressou no serviço público e, em 1934, transferiu-se para o Rio, onde foi chefe de gabinete do então ministro da Educação, Gustavo Capanema, até 1945.
Passou depois a trabalhar no Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional até se aposentar, em 1962. Desde 1954, colaborava como cronista no "Correio da Manhã" e, a partir de 1969, no "Jornal do Brasil".
Drummond pertenceu à segunda geração modernista brasileira. "Sua poesia se estende desde 1930 até os anos 80, sendo ele um poeta típico do século 20", diz o poeta e crítico literário Regis Bonvicino, 47. Segundo ele, a poesia de Drummond é muito variada e procura abordar temas sobre a reflexão do ser, as questões brasileiras, o dia-a-dia. O poeta escreveu muito sobre Minas, a banalidade do cotidiano, a família e o destino. Vários de seus poemas eram regados de indagações filosóficas. "Minha motivação foi esta: tentar resolver, através de versos, problemas existenciais internos. São problemas de angústia, incompetência e inadaptação ao mundo", dizia o poeta.
Drummond lançou seu primeiro livro, "Alguma Poesia", em 1930, com 500 exemplares. Um dos poemas anunciava o espírito do poeta: "Quando nasci, um anjo torto / Desses que vivem na sombra / Disse: Vai, Carlos! Ser gauche na vida."
Em 1934, publicou "Brejo das Almas", com 200 exemplares. Em 1940, foi a vez de "O Sentimento do Mundo", com 150 exemplares. A partir daí, Drummond começou a ser reconhecido como o maior poeta nacional.
Em suas poesias, Drummond trabalha com o tempo, na sua tradução subjetiva do cotidiano. Várias obras do poeta foram traduzidas para outras línguas. Foi seguramente, por muitas décadas, o poeta mais influente da literatura brasileira, tendo publicado diversos livros em prosa.
Ele também traduziu vários autores estrangeiros para o português, como Honoré de Balzac, García Lorca e Molière.
Durante toda a vida, Drummond fez questão de não aceitar muitas homenagens e badalações. Nunca aceitou, por exemplo, ingressar na Academia Brasileira de Letras. "Nunca nenhum destino ficou dependendo da minha vida ou do meu comportamento ou da minha atitude. Eu me considero e sou realmente um homem comum", disse pouco antes de sua morte por insuficiência respiratória, em 17 de agosto de 1987, 12 dias depois de ter perdido sua única filha, Maria Julieta.
Uma semana antes de morrer, ele disse em uma entrevista que tinha sido poeta pela necessidade de exprimir sensações e emoções que pertubavam seu espírito e causavam angústia: "Fiz da minha poesia um sofá de analista". Seus últimos 40 poemas estavam reunidos em uma pasta com o título "Farewell", lançado em 1996.
E ele deixou, de Itabira para o mundo, uma história de um homem de ferro com alma de ouro, segundo ele mesmo, com uma infância itabirana mais bonita que a de Robinson Crusoé. (MD)


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