São Paulo, segunda-feira, 23 de agosto de 2004

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ITÁLIA-BRASIL

Importância da etiqueta do país cresce com compras dos EUA e injeção de dinheiro para reconstruir Europa

Moda italiana floresce após Segunda Guerra

HELOISA LUPINACCI
DA REPORTAGEM LOCAL

"Não existe moda italiana. Nem no mobiliário, nem na decoração, nem no vestuário. Nós podemos criá-la, devemos criá-la."
Como assim? E Milão, de onde saem ternos bem cortados, sinônimos de elegância, assinados por Giorgio Armani? E Roma, com sua alta-costura representada por vestidos sensuais e luxuosos que saem dos croquis de Valentino e de Ricardo Capucci? E o Salão Internacional do Móvel de Milão, que, ano a ano, exibe o que há de mais experimentalista no desenho de móveis no mundo?
Calma. Embora a moda italiana pareça ser tradicional -afinal há muitos séculos Michelangelo desenhou o uniforme da Guarda Suíça do Vaticano-, ela nem sempre representou luxo e riqueza. Até os anos 50, uma etiqueta italiana não dizia muita coisa. Era uma etiqueta qualquer.
Assim, as palavras do líder fascista Benito Mussolini, ditas nos anos 30, refletem o status da moda italiana nessa época, em que ela não ultrapassa as fronteiras do país, salvo raras exceções.
Mas o que Mussolini não esperava era que o seu desejo de criação de uma moda italiana viria a ser realizado em parte graças à sua atuação no comando do país.
A moda italiana se torna visível aos olhos do mundo apenas depois da Segunda Guerra Mundial e, em parte, devido ao Plano Marshall (plano dos EUA que injetou dinheiro para a reconstrução de países da Europa ocidental destruídos pela Segunda Guerra).
O assunto é tratado no livro "Reconstructing Italian Fashion", de Nicola White (2000, 224 págs., editora New York University Press, US$ 24,95 na www.amazon.com). White relata como a etiqueta italiana deixou de ser qualquer coisa para tornar símbolo de luxo, de tecidos fantásticos e de corte preciso.
No fim da Segunda Guerra, a Itália estava devastada. Mas alguns setores eram vistos como alavanca para tempos melhores. O principal deles era o têxtil.
Embora o Reino Unido tenha tentado boicotar a ajuda dos EUA, temendo que a melhoria do setor têxtil italiano atrapalhasse a recuperação da indústria de algodão na Inglaterra, o plano americano de reerguer a Itália foi mantido. Para os EUA, a melhor maneira de tirar a Itália de seu estado de destruição era fomentando a exportação.
Resultado: uma chuva de encomendas dos EUA para a compra de tecidos italianos, tradicionalmente apreciados ao redor do mundo. Com a combinação de tecidos sendo produzidos a todo vapor, uma tradição de arte e de alfaiataria, aconteceu o inevitável. Nos anos 50, começa a florescer uma moda à italiana.
A consolidação desse processo se dá 20 anos depois, quando os salões de prêt-à-porter milaneses se confirmam como o segundo pólo mundial de criação de estilo, apenas abaixo de Paris.
É em Milão que surgem grifes como Giorgio Armani, Versace, Dolce & Gabbana. A alta-costura vem de Roma. É na capital italiana que se concentram nomes como os de Valentino, Simonetta Visconti e Roberto Capucci.
"A Itália tem uma tradição de ensino do que chamamos de prendas domésticas. Tanto para homens quanto para mulheres", explica Raquel Valente, coordenadora do curso de moda da Faculdade Santa Marcelina.
A tradição de alfaiataria resulta na invencibilidade dos italianos quando o assunto é moda masculina. Armani e Ermenegildo Zegna viram sinônimo de homem bem vestido. A expertise dos artesãos alia-se à familiaridade com o couro e um empurrãozinho de Salvatore Ferragamo alçou os sapatos italianos à dianteira do mundo. E, assim, a moda nunca mais foi a mesma.
Que o diga Paris. Quando o estilista Gianfranco Ferré pintou e bordou em Milão, chamando a atenção do mundo, a reação veio a galope: o estilista foi contratado pela maison Dior logo de uma vez. Lá ele ficou de 1989 a 1997.
Por mais que a Itália tenha criado a sua moda, como queria Mussolini, Paris não arrisca dividir os holofotes com ninguém. Muito menos pôr a perder o status de centro mundial da moda.


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