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CAPITAIS EUROPÉIAS
Escritor alemão viveu um ano em Roma e escreveu "Viagem à Itália", clássico escrito em 1816-17
Diário de Goethe é roteiro de descobertas
AURORA F. BERNARDINI
especial para a Folha
Entre os grandes viajantes que
estiveram em Roma no século 18,
nenhum há que rivalize em importância com o alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832).
Não apenas pela extensão de sua
estada -dos quase dois anos em
que ele morou na Itália
(1786-1788), mais de um ele passou em Roma (de 1º de novembro
a 21 de fevereiro de 1786 e, depois,
na "volta" de Nápoles e da Sicília,
novamente, de 8 de junho de 1787
a 14 de abril de 1788)-, ou pela
grandiosidade do que lá produziu
(os dramas em prosa ``Egmont'' e
``Torquato Tasso'', as operetas
``Erwin e Elmira'' e ``Claudine de
Villa Bella'', um "fragmento" de
``Fausto'' e a tragédia ``Ifigênia
em Táuris''), mas, sem dúvida, pela descrição viva e cuidadosa dessa
estada, nos textos que compõem
seu livro-diário ``Viagem à Itália''.
À parte os ricos contatos pessoais com sábios e artistas -em
Roma, Goethe frequenta o dr.
Hunter, com quem fala de numismática, P. Jacquier, o franciscano
de Trinità dei Monti, com quem
fala de matemática, estuda arquitetura com Inchi, escultura com
Trippel, pintura com Tischbein e
Madame Angelica-, o que o encanta é a ambiência romana, onde
a "rosada" sensualidade mediterrânea acolhe a síntese das artes da
Antiguidade e Renascença.
Ao acompanharmos cronologicamente seu diário romano, estaremos percorrendo o roteiro de
suas descobertas pessoais:
Dia 1º de novembro: "O desejo
de chegar a Roma era tão grande,
que não pude deter-me em nenhum lugar, fiquei só três horas
em Florença. Agora estou tranquilo... pode dizer-se que começa uma
nova vida quando se vê com os
próprios olhos o conjunto que se
conhece somente em parte... Sim,
cheguei à capital do mundo!''.
Dia 3 de novembro:``...Um dos
principais motivos pelos quais
procurava chegar rapidamente a
Roma era a Festa de Todos os Santos, de 1º de novembro, porque
pensava: `Se honram tanto a cada
santo isolado, o que farão a todos
eles juntos?'... Mas só tive sorte ontem, no dia dos defuntos. O papa
celebra a memória deles em sua capela privada no Quirinal... Apressei-me a ir com Tischbein. A praça
que há na frente do palácio é algo
de absolutamente peculiar, é tanto
irregular quanto grandiosa e agradável''.
Dia 7 de novembro: ``...Já estou
aqui há sete dias e pouco a pouco a
idéia geral desta cidade torna-se
mais nítida em meu espírito. Rodamos de um lado para o outro e
eu me familiarizo com os planos
da Roma antiga e moderna, considero as ruínas e os monumentos.
O observador tem de realizar, no
começo, grande esforço para discernir como Roma sucede a Roma,
não somente a cidade nova e a antiga, mas as diferentes épocas da
Roma antiga e moderna...''.
Dia 10 de novembro: ``Estive hoje na pirâmide de Céstio, na porta
São Paulo. E, à noite, no Palatino,
acima, sobre as ruínas dos palácios
imperiais que se erguem como
muralhas de pedra... Verdadeiramente, aqui nada é pequeno''.
Dia 11 de novembro: ``Hoje visitei a Ninfa Egeria, na porta São Sebastião, depois o Circo de Caracalla, os túmulos em ruína na via Appia e o túmulo de Cecilia Metella,
que dá a idéia de uma construção
sólida. Esses homens trabalhavam
para a eternidade; tudo havia sido
previsto, exceto a demência dos
destruidores, à qual nada resiste.
Desejei ardentemente tua presença aqui'' -Goethe escreve provavelmente a Charlotte von Stein,
por quem foi apaixonado.
``Os restos do Grande Aqueduto
são sumamente veneráveis... À tarde, quando começava a escurecer,
chegamos ao Coliseu. Ao contemplá-lo, todo o resto nos parece pequeno: é tão grande, que sua imagem não cabe no espírito."
Poderíamos acompanhar deslumbrados as outras cem páginas
do périplo de Goethe à descoberta
de Roma, incluindo a curiosa descrição do Carnaval, com corrida
de cavalos e apresentação de blocos.
Há, porém, um aspecto especial
de suas anotações com respeito à
parte musical do folclore romano.
Ao lado dos Ritornelli e dos motivos melódicos do "Vaudeville",
há também romanças populares,
particularmente uma: "que eu ouvi cantar durante algumas semanas por um menino cego, que andava pelas ruas de Roma, e cujo
motivo e feitura eram insolitamente nórdicos''. Em Roma, diz
Goethe, quase não se ouvem histórias de fantasmas, e a causa provável é que nenhum cristão católico
batizado é condenado.
A cena se passa à noite. Uma bruxa vela o cadáver de um justiçado,
provavelmente criminoso, que foi
torturado. Um desocupado se
aproxima com o intuito de roubar
membros do corpo. O diálogo, na
arte acima, constitui a romança.
Aurora F. Bernardini é professora de pós-graduação em Teoria Literária e Literatura Comparada da USP
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