|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
O som e a fúria
EDSON FRANCO
A CHEGADA da terceira edição do Rock in Rio,
que começa no próximo dia 12, traz à mente a
incompatibilidade entre TV aberta e espetáculos
ao vivo. Indomesticáveis, eles são inimigos naturais de grades cada vez mais apertadas, como a da Globo, única emissora aberta que detém os direitos de transmissão do festival. Quem não conta com os serviços das
operadoras de TV paga está condenado a engolir as pílulas (leia texto à pág. 8) que a emissora carioca levará ao ar.
Na semana passada, o Multishow exibiu na íntegra o
show que Prince deu no Rock in Rio 2,
em janeiro de 91. Para qualquer amante
ou estudioso da música foi puro deleite
acompanhar a gênese, a maturação e o
ocaso da apresentação. Ali, na telinha, o
show de Prince nasceu, cresceu e morreu, como qualquer ser vivo, como todo
espetáculo ao vivo.
No festival deste ano, prazer parecido
com esse está reservado apenas para
quem vai ao Rio ou recebe em casa os sinais da DirecTV ou do Multishow. Os
demais telespectadores verão apenas
flashes com os shows, o que beira o cruel,
pois lembra o tempo em que pouca coisa
de relevância cultural chegava ao Brasil.
Nos poucos momentos em que estarão
no ar durante o festival, apresentadores e
repórteres da Globo parecerão dizer:
"Olha como está animada esta festa, para
a qual você não foi convidado".
Nem mesmo o consolo de ver os shows
na íntegra depois de terminado o festival será concedido
aos telespectadores que só captam imagens da TV aberta.
Teriam mais sorte caso os direitos de transmissão tivessem caído nas mãos da Cultura -que não se avergonha
de exibir até hoje shows do Heineken Concerts, realizado
em abril do ano passado- ou da Bandeirantes -que
tem jogo de cintura para adaptar a grade sempre que tem
um bom produto para exibir.
Parecia que o período de férias seria diferente este ano.
Afinal, a maior emissora de TV do país programou várias
estréias para uma época em que as novidades costumam
hibernar. Depois de amanhã, vai ao ar o primeiro capítulo
de "Os Maias". No dia 22, estréia "Um Anjo Caiu do Céu".
Seis dias depois, é a vez da segunda fase de "No Limite" e
do programa do ex-VJ da MTV Cazé.
Ou seja, uma minissérie de época, uma novela com toques de misticismo, a repetição de uma fórmula de sucesso do ano passado e um programa de calouros. Quem
costuma associar os substantivos "estréia" e "novidade"
ficou chupando o dedo ou teve de se contentar com o
bem-sucedido projeto "Brava Gente", prova de que o espaço para a evolução da teledramaturgia nacional ainda
está por ser desbravado.
No sábado da semana passada, enquanto bombeiros,
médicos e funcionários da Defesa Civil atendiam parte
dos cerca de 210 feridos em decorrência da queda do
alambrado no estádio São Januário, Galvão Bueno, Casagrande, Falcão e José Roberto Wright transfiguraram-se
em arautos do bom senso.
Eles alardearam que a sequência da
partida entre Vasco e São Caetano seria uma insanidade, que a segurança
do estádio estava irremediavelmente
comprometida, que o momento era
de socorro às vítimas. O efeito foi imediato: o governador do Rio, Anthony
Garotinho, que assistia ao jogo pela
TV, ordenou o fim da partida. No dia
seguinte, aqui e acolá, pipocaram elogios à veemência do narrador e dos
comentaristas da Globo.
Tudo muito correto, não fosse o fato
de esses mesmos senhores integrarem
a equipe de uma emissora que passou
os últimos cinco meses ajudando a
embalar para presente esse engodo
chamado Copa João Havelange. Em
cada chamada, em cada comentário,
nos noticiários, nos programas esportivos, a Globo sempre louvou o torneio e varreu para baixo do tapete tudo o que pudesse prejudicar o produto, que havia custado
US$ 40 milhões. Até o presidente eleito do Vasco e principal judas do futebol nacional, Eurico Miranda, era poupado. Isso torna o clamor de Galvão e dos comentaristas
globais tardio e oportunista.
Foi necessário que uma tragédia acontecesse para que a
emissora passasse a se preocupar com a segurança do torcedor, com a incoerência do calendário do futebol nacional, com a idoneidade e competência dos homens responsáveis por clubes e federações. Não fosse o momento
em que os dribles, chutes e cabeceios foram substituídos
por ambulâncias e helicópteros, muito provavelmente o
espectador da Globo ouviria mais exaltações a um torneio
inconsequente desde sua origem.
Ato contínuo, o torcedor/telespectador já está começando a se mexer. Com o poder do controle remoto nas
mãos, ele não aprovou mais esse embuste. Em comparação com o Brasileiro-99, o ibope médio dos jogos da Copa
João Havelange caiu de 24,6 para 20,6 pontos na cidade de
São Paulo. Isso significa que 320 mil aficionados resolveram trocar o futebol por qualquer outro esporte em que a
credibilidade não seja artigo tão raro.
Texto Anterior: Astrologia - Barbara Abramo: Um lance de dados Próximo Texto: Filmes Índice
|