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ENTREVISTA/WALTER AVANCINI
Após nove anos afastado da Globo, o diretor Walter Avancini retornou em 99 à emissora tendo como projeto inicial a minissérie "Vargas", cancelada devido à morte de Dias Gomes, um dos autores. Agora Avancini sonha em transformar a vida do poeta barroco Gregório de Mattos em minissérie, mas diz
que não é o momento de elaborar projetos pessoais, mas sim em "pensar nos rumos que buscamos para a TV brasileira".
'Precisamos repensar a TV brasileira'
BRUNO GARCEZ
DA REPORTAGEM LOCAL
Você está retornando à Globo e seu primeiro projeto, "Vargas", é uma minissérie. A novela é um gênero esgotado?
A novela não é um gênero esgotado,
mas há um esgotamento do conceito de
televisão no país. Tanto em programação como em linguagem. Devido aos
problemas que o país passou, as referências foram se perdendo. Tanto empresas
quanto profissionais do meio deveriam
repensar a TV brasileira. Quanto a "Vargas", a minissérie foi escrita por Dias Gomes e Ferreira Gullar em 82 e estava sendo atualizada pelo Dias. Mas com sua
morte isso ficou complicado. Não aposentei o projeto, mas gostaria de retomá-lo de outra maneira.
Já que "Vargas" ficou de lado, que outros projetos você tem em mente?
Seria oportuno fazer algo sobre Gregório de Mattos, figura ousada e despudorada e um personagem muito importante de nossa história. Mas, neste momento, estou à disposição da Globo para colaborar, até na busca desse repensar. Não
é o momento para projetos pessoais, mas
sim de discutir os rumos da televisão.
O que deveria nortear essa reflexão sobre a televisão?
A televisão não deveria apenas estar a
reboque de um imediatismo por audiência. Claro que a audiência é o fator principal para a sobrevivência da TV, porque
ela é comercial. Mas na busca por audiência os parâmetros foram perdidos. É
preciso retomar o conceito de uma televisão que não só vai a reboque, mas que
tem também suas obrigações, que propõe discussões estéticas, de conteúdo e
de comportamento.
Na sua opinião, o "mundo cão" tem muito espaço na TV aberta?
As categorias econômicas menos favorecidas tiveram mais acesso à televisão
com o Plano Real, o que acabou sendo
uma grande atração para a criação desse
tipo de programa. Mas esse é o caminho
mais fácil e deixa nu o nível educacional
da maior parte da população brasileira.
Aproveitou-se um status quo para a corrida de audiência.
Mas a inteligência do grande público
não estaria sendo subestimada? Algo
mais elaborado também não poderia ter
audiência elevada?
Sem dúvida. Tanto que quando a Globo fez "O Auto da Compadecida" conseguiu um elevado índice de audiência.
Um trabalho popular, no bom sentido. O
público percebe quando lhe dão algo
mais. Mas se só lhe dão os signos conhecidos, o lado mais fácil, a mitificação da
sensualidade brasileira, o erotismo oportunista, então não tem jeito.
Qual a diferença entre a sensualidade
oportunista e as cenas de nudez de suas
novelas, como "Xica da Silva" (96) e "Mandacaru" (97)?
A dramaturgia está em outro contexto.
Não se pode separar da representação a
sensualidade. É uma questão de tratamento. Às vezes, podem acontecer excessos. O que não pode é surgir uma postura medieval em que a nudez por si só
vira pecado. É preciso evitar a banalização, na qual nós profissionais às vezes
entramos devido à essa histeria da busca
pela audiência.
Adaptações literárias televisivas já foram vistas com reservas. O que o levou a
transpor romances para a telinha?
Na época de "Gabriela" (75) até a imprensa se posicionou contra a adaptação.
As críticas diziam que levar a literatura
para a TV era tornar o público leitor do
país ainda menor. Mas o que aconteceu
foi que Jorge Amado, que estava com
edições paradas, vendeu 500 mil exemplares com a novela. A Rede Globo, durante três ou quatro anos, abriu o horário
das seis só para adaptações literárias.
Claro que há os puristas que dizem que é
uma leitura deformada, pois os leitores já
lêem o romance com os biotipos formados pela televisão. Mas em um país como
o nosso, onde não se lia quase nada,
criou-se um certo hábito da leitura em
um grupo maior. O fundamental é manter a identidade do autor. Saber manter a
ideologia do escritor. Adaptações que fiz
de Guimarães Rosa ("Grande Sertão Veredas", em 85) e de João Cabral de Melo
Neto ("Morte e Vida Severina", em 81)
também foram projetos com excelentes
resultados.
Você tem uma predileção por tramas de
época?
Dois elementos me levaram a trabalhar
com tramas de época. O primeiro, buscar a identidade brasileira por meio do
bom romance brasileiro, que permite conhecer mais da nossa história do que a
história oficial. Foi também uma forma
de fugir da censura, de poder abordar temas que tinham relação com aspectos
despóticos das ditaduras do passado.
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