São Paulo, Domingo, 11 de Abril de 1999
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TV PAGA
Documentário de João Salles traz depoimentos de policiais, traficantes de drogas e de armas
GNT ouve os vários lados do crime

ANNA LEE
da Sucursal do Rio

Personagens reais da violência urbana -policiais, traficantes e moradores de favelas- estão exaustos. Essa é a conclusão a que João Moreira Salles, Kátia Lund e Walter Salles chegaram, depois de passar dois anos, de agosto de 1997 a julho de 1998, produzindo o documentário "Notícias de uma Guerra Particular", que será exibido pelo GNT na quarta-feira, às 22h.
"Existe uma exaustão absoluta em relação a essa guerra inútil que acontece entre policiais e traficantes, onde todo dia alguém morre, e ninguém ganha um palmo de terreno sequer", disse Salles.
Mas não é solução que o documentário, produzido em 16 mm e com 56 minutos, pretende apresentar. Segundo Salles, a intenção é causar desconforto no espectador.
"O programa é muito desesperançado, por opção de edição mesmo. Não termina com uma nota otimista, oferecendo uma saída. Não porque não exista, mas porque, se é oferecida uma saída no final, as pessoas vão dormir mais tranquilas, e não é para isso."
O caminho encontrado para alcançar o objetivo de "Notícias de uma Guerra Particular" - "fazer uma radiografia atual da violência urbana"- foi o de colher depoimentos das pessoas que estão envolvidas diretamente com tráfico de drogas, contrabando de armas, corrupção da polícia e crime organizado.
"Desde quando começamos a falar sobre o documentário, ficou claro que não queríamos imagens de tiroteio e invasão da polícia nos morros, porque, de certa maneira, isso banaliza a questão", disse Moreira Salles.
"Imagens assim podem ser vistas toda tarde em programas como o "Cidade Alerta". O sensacionalismo trivializa o problema. Quem quiser ver tiros e cadáveres não vai encontrar isso no programa. É muito mais importante o valor do que está sendo dito."
Foram ouvidos policiais do Batalhão de Operações Especiais do Rio, o então chefe da Polícia Civil do Rio e atual deputado estadual do PT Hélio Luz, José Carlos Gregório, o Gordo, ex-líder da facção criminosa Comando Vermelho, moradores e traficantes dos morros do Alemão, Cantagalo, Dona Marta e Rocinha, todos no Rio.
Não porque o Rio, ressalta Moreira Salles, seja "a única cidade violenta do Brasil, mas porque é uma metáfora do país, aqui vivemos lado a lado com a miséria, o que não acontece, por exemplo, em São Paulo".
Dos depoimentos, o que mais surpreendeu Moreira Salles foi o de Hélio Luz.
"Foi surpreendente escutar do próprio chefe da polícia do Rio que a polícia é corrupta e violenta."
Também foi surpreendente para o diretor o depoimento de garotos traficantes na faixa de 13 anos.
"É impressionante a total falta de consciência do mundo horrível no qual eles vivem. Eles contam naturalmente que já mataram não sei quantos policiais colocando fogo nas vítimas."
O documentário apresenta ainda uma estatística da Polícia Federal na qual estima-se que, no Rio, 100 mil pessoas trabalham no tráfico -o duas vezes o número de empregados da Petrobrás e número igual ao contingente de funcionários da prefeitura".


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