São Paulo, domingo, 12 de abril de 1998

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Futuro da TV para crianças é discutido em Londres

BETH CARMONA
Mais de 800 especialistas em televisão, representando aproximadamente 80 países, estiveram reunidos recentemente em Londres, onde aconteceu a 2ª Conferência Mundial sobre TV e Criança. Retomando a carta de princípios que foi redigida em Melbourne, Austrália, em 1995, o evento foi de grande importância para todos aqueles que acreditam que a televisão pode desempenhar um grande papel no futuro das nações, visto a força de seu impacto sobre o público infantil. O clima do encontro poderia ser comparado ao das grandes reuniões de debate sobre direitos humanos e direitos da infância.
Debates sobre a produção e a criatividade dos programas, os temas políticos da comunicação, o controle da programação, o financiamento da televisão e a revolução tecnológica ocuparam integralmente os cinco dias do evento.
Televisão terrestre, TV via satélite, TV por assinatura, a multiplicação dos canais, a globalização, a TV e a Internet, a TV Comercial e a TV pública: a quem pertence o futuro? Como conviver com a revolução que se apresenta neste final de século? No âmbito das discussões falou-se que se apresenta neste final de século? No âmbito das discussões falou-se numa tendência de integração dos meios e num interessante clima de competitividade, onde as emissoras deverão estar cada vez mais preparadas para se conectar com os novos meios, mostrar personalidade própria, objetivos claros e uma diferenciação de conteúdos.
Em princípio, esses são temas válidos para debate nos mais diferentes pontos do mundo, porém, quando se fala em países em desenvolvimento -e durante a Conferência tivemos relatos de situação de grupos continentais-, fica cada vez mais clara a importância da televisão de acesso gratuito e principalmente a televisão pública, que deve se orientar pela busca da qualidade na programação infantil.
Para os países da África, Ásia, América Latina e Europa do Leste, a televisão reinará absoluta nos espaços de vida das crianças e é nesse sentido que todos os esforços ainda deverão se concentrar sobre as programações que essa parcela da população vem recebendo de forma avassaladora.
Na sessão plenária sobre a América Latina, onde representei o Brasil destacando a experiência da TV Cultura, foram colocados alguns dados que demonstram porque nosso continente é considerado uma espécie de paraíso para os grupos internacionais de comunicação.
Com uma população de aproximadamente 486 milhões e países com um índice altíssimo de penetração da televisão nos domicílios, o número potencial de telespectadores na América Latina é muito grande. Países como a Venezuela, o Peru e o Brasil, chegam a índices de mais de 50% de população jovem, o que também é um fator importante no que se refere à televisão que busca a criança como alvo.
Esses números, aliados ao fato de estarmos num ambiente de domínio de apenas duas línguas -o espanhol e o português-, atraem os canais estrangeiros para um campo bastante propício à exploração. Os canais infantis da TV paga já estão por aí.
Hoje, mais de 85% dos lares brasileiros têm pelo menos um aparelho de TV, e podemos estimar que em cada uma dessas casas exista em torno de duas crianças. Mais de 32% de nossa população está na faixa de 0 a 14 anos.
No Brasil, a TV Cultura mostrou capacidade e conquistou uma boa parcela dessas crianças, oferecendo programas infanto-juvenis de qualidade e conseguindo bons índices de audiência -fato que foi percebido rapidamente pela TV comercial.
Já que a TV goza de grande popularidade dentro do universo infantil e concordando que a situação da escola para todos ainda está longe de ser satisfatória em nosso país, porque não aprimorar esse instrumento e oferecer programas que ajudem na formação e que respeitem a inteligência das crianças?
A Conferência reservou um dia inteiro para a discussão do financiamento da programação de qualidade e foi reconhecido que a TV para crianças se tornou um grande negócio. Além disso, todos concordaram que os programa infantis custam caro e, sendo assim, precisam encontrar seus financiadores, sejam eles públicos ou privados.
O ponto comum é que as programações infantis deveriam ser orientadas e regulamentadas de acordo com o interesse e a necessidade de seu público, evitando qualquer tipo de relação de exploração. A comercialização de um programa infantil não pode ferir princípios básicos. Em Londres, foram feitos vários apelos nesse sentido, ou seja, não podemos nos deixar levar pela força do mercado quando estamos tratando de crianças.
É preciso impor um limite e um controle sobre o merchandising e o licenciamento de produtos, que está chegando ao auge do exagero no contexto mundial.
O controle de qualidade de uma programação, a exploração do sexo e da violência nas mais diversas formas e o acesso das crianças a essa televisão de influência negativa foram temas de grande polêmica.
Se por um lado os escandinavos são rigorosos na escolha e na produção dos programas que transmitem, os norte-americanos mostraram soluções como o V-chip, entre as muitas atitudes que vêm tomando em relação à TV nos Estados Unidos, desde os anos 70.
A verdade é que, para garantir a qualidade de uma programação, serão necessárias atitudes frequentes de grupos sociais nos diferentes países, junto a seus governos.
Os profissionais de TV, os educadores, os pais, os grupos de defesa, a imprensa, a Justiça e os políticos devem estar atentos para a questão da TV e da criança. Uma vez reconhecida a potencialidade da televisão ora como espelho e ora como janela, é preciso direcionar os esforços para o uso mais consciente desse poderoso instrumento.
No encerramento dos trabalhos em Londres, a delegação da Grécia, com a presença dos ministros da Educação, Cultura e Imprensa, já iniciava os preparativos para o próximo encontro que será em Atenas em 2001.
Uma série de ações e orientações foram acordadas e desde já foram colocadas as possibilidades da América Latina ser escolhida como sede para a Conferência Mundial em 2003, em função de sua importância no contexto mundial. Se trabalharmos para isso, o Brasil tem toda a chance de ser escolhido como país anfitrião do evento, o que seria uma ótima oportunidade para conferir como estará se comportando a televisão brasileira no início do novo século.


Beth Carmona é diretora de Programação da TV Cultura. Representou o Brasil na Sessão Plenária da América Latina na 2ª Conferência Mundial Sobre TV e Criança realizada em Londres, de 9 a 13 de março



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