São Paulo, domingo, 14 de maio de 2000


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CRÍTICA

O colapso da televisão

Alcino Leite Neto

JÁ SE pode dizer com firmeza que a TV, tal como a conhecemos, se tornará em alguns anos uma coisa do passado. A fusão dos recursos televisivos com os do computador, da Internet e do cinema será responsável por mudanças (apontadas pelo TV Folha em 30/4/ 2000) que acabarão com o domínio do atual modelo de TV, baseado nos mercados nacionais, na unilateralidade da programação e na passividade do espectador.
Para os otimistas, o colapso da televisão tradicional significa também a decadência do espectador e o surgimento do "interespectador", capaz de interagir com os conteúdos e realizar sua própria programação, quando não os próprios programas.
A produção visual-digital se multiplicará em milhares de microemissoras, acessíveis pela Internet, fraturando a hegemonia das grandes redes. Um indivíduo ou uma instituição poderá criar seu próprio site-canal, transmitindo imagens em tempo real ou de arquivo, coisa aliás que já existe na Web (a rede mundial de computadores).
Os internautas são alguns dos mais ardorosos defensores dessa substituição de tecnologias, pois a encaram como um avanço na democratização da mídia e na socialização da informação. Para eles, a TV é artefato pré-histórico -alienante, corporativo, anticriativo e insalubre.
É sobretudo na Internet que se espalham campanhas de boicote à televisão. A principal delas é a National TV-Turnoff Week (Semana Nacional da TV Desligada), que ocorreu na última semana de abril e teve a adesão de 7 milhões de pessoas, segundo a TV-Free America. Como opção à TV desligada, sugeriu-se que as pessoas lessem, conversassem e fizessem passeios.
É provável, no entanto, que esses utopistas sejam atropelados por um futuro mais cruel e menos convivial.
Nos Estados Unidos, por exemplo, pesquisa da Nielsen Media Research indicou que os norte-americanos passaram 7 horas e 26 minutos por dia diante da TV, em 1999. Em 1950, eles gastaram quase a metade deste tempo: 4 horas e 35 minutos. Ou seja, cresce o consumo passivo de imagens, que certamente irá se transferir, revigorado, para o novo formato tecnológico.
As corporações econômicas, por sua vez, agora associadas entre si -provedores de Internet, telefônicas, emissoras e produtoras de filmes-, tratarão de cuidar bastante bem da expansão universal do entretenimento massivo e assegurar seu mercado. Para elas, interatividade é apertar alguns botões. E isso basta.
Por fim, as transformações futuras tenderão a ampliar o vácuo entre os que têm acesso aos recursos tecnológicos e os que não têm nenhum e, assim, permanecerão atrelados à TV tradicional. Que se tornará cada vez mais pífia e negocista, consumida pelo crescente lumpesinato mundial e a massa de analfabetos funcionais ou, simplesmente, de analfabetos -das letras ou da informática.
Estamos vivendo a passagem do modo de acumulação "primitiva" de informação e imagens para a sua forma avançada. Não será portanto com bons sentimentos que se conseguirá extinguir, ou ao menos criticar, a dominação da economia e das corporações midiáticas sobre a vida social.

Uga Uga
Uma primeira impressão sobre a novela da Globo que estreou nesta semana. A miscelânea antropológica -selvagem louro em tribo brasileira, jingle da Nova Zelândia, milionário grego no Rio- é o que menos espanta e tem inclusive sua graça. Assustador é o estado de regressão dos personagens, em suas atitudes, falas e psicologia. "Uga Uga" está uma escala civilizatória abaixo de "Malhação". Logo chegaremos à pré-história.
Baderna autoritária
O ministro-chefe da Secretaria de Comunicação de Governo, Andrea Matarazzo, leva ares de homem civilizado e democrata, mas de fato ele não é. Foi truculenta sua atitude de censurar uma rede pública, ou de incitá-la à auto-censura, o que dá no mesmo, impedindo a TV Educativa do Rio de transmitir entrevista com João Pedro Stedile, dirigente do MST.
Sua explicação é mais que um rascunho de pensamento autoritário: "Um sujeito indiciado pela Polícia Federal não pode aparecer numa TV educativa", afirmou à Folha.
Para ficar num aspecto elementar da questão, é útil lembrar que TVs educativas ou públicas não são propriedade do governo, mas da população, que as sustenta com os impostos. Elas devem, por isso, expressar o conjunto dos debates do país, e não apenas aqueles que Brasília deseja.
Foi de uma subserviência desonrosa, por seu lado, a reação do presidente da TV Educativa do Rio, Mauro Garcia, ao acatar, arremedar e justificar a decisão de suspender o programa: "A censura é abominável, uma figura que não pode ser reeditada. Não há qualquer possibilidade de se pregar isso. O que houve com Stedile não é censura, porque ele não representa a discussão democrática".
É preciso desmontar a novilíngua do presidente Garcia e esclarecer que é da essência da democracia debater inclusive as questões que lhe são antagônicas.



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