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CHUTE NA IMAGEM
Com a contratação de agência e investimento na programação, emissora quer ganhar vida própria
Record tem fé na publicidade
Folha Imagem
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Adriane Galisteu, nova contratada da Record |
CLÁUDIA CROITOR
DA REPORTAGEM LOCAL
HÁ ALGUNS anos, um bispo da
Igreja Universal do Reino de Deus
chutava a imagem de Nossa Senhora
Aparecida em um programa da Rede Record, bispos da Universal reunidos no
programa "25ª Hora" acusavam funcionários da Rede Globo de arquitetarem
um plano para desmoralizar a igreja, e a
emissora produzia a minissérie "A Filha
do Demônio", sobre uma menina que teve sua alma vendida ao diabo e que, aos
20 anos, é levada por sua vizinha a uma
igreja, onde o demônio é exorcizado.
Hoje, a mesma Record acaba de contratar a apresentadora Adriane Galisteu
na tentativa de criar um programa voltado para o público jovem -e, pelo seu
contrato, ela poderá usar a roupa que
quiser durante a atração e terá total liberdade de expressão-, o jornalismo da
emissora conta com um correspondente
em Londres, e a rede investe em um núcleo de teledramaturgia.
Nos últimos 12 meses, a audiência da
Record teve um crescimento de cerca de
20%. O programa infantil comandado
por Eliana, com o desenho "Pokémon"
como aliado, frequentemente fica em
primeiro lugar na audiência, e até na programação dominical a Record já conquistou vitórias sobre Globo e SBT.
Todas essas inovações, que vêm acontecendo há algum tempo na rede, fazem
parte de um projeto da emissora de se
tornar mais competitiva e profissional e
mostrar que é independente, e não mais
a "TV do bispo". As mudanças, que ganharam novo fôlego com a renovação de
parte da diretoria da rede cerca de um
mês atrás, incluem ainda a contratação
de uma agência de publicidade para tentar melhorar a imagem da rede junto à
opinião pública.
Há algumas semanas, a Giusti-Loducca
foi incumbida de desvincular a imagem
da Record da Igreja Universal do Reino
de Deus -apesar de o fundador da igreja, o bispo Edir Macedo, ainda ser o dono
da emissora. A primeira medida será a
convocação da imprensa, esta semana,
para anunciar as novidades na estrutura
e na programação da rede.
Mas, mesmo com todas essas providências, não será uma tarefa fácil desvincular a Record da imagem da igreja. Da
grade de programação à diretoria, a Universal ainda ocupa um espaço considerável na emissora.
No comando da rede, por exemplo, está o bispo Honorilton Gonçalves, como
presidente. Na nova diretoria, Marcus
Aragão, que era diretor e foi promovido
a superintendente artístico e de programação, é pastor da Universal; Marcus Vinícius Chisco, que entrou em seu lugar,
na diretoria de programação, é casado
com uma sobrinha de Edir Macedo.
E não é só na diretoria que os bispos da
Universal estão presentes. Boa parte dos
horários da emissora -quase toda a madrugada até o começo da manhã- ainda são ocupados pela própria Universal,
que compra os horários para transmitir
cultos e programas religiosos.
A direção da Record não quis divulgar
números, mas, no ano passado, o dinheiro que vinha da igreja representava 15%
do faturamento total da emissora, e até
hoje a rede não sobrevive financeiramente sem o dinheiro da Universal.
Algumas atrações ligadas à igreja se renovaram e buscaram um distanciamento da religião, mas continuam ligadas à
Universal. O programa de debates "Fala
Que Eu te Escuto", espécie de substituto
do "25ª Hora", passou a entrevistar ex-mulheres de pagodeiros, mostrar cenas
de cirurgia de implante de silicone e discutir comportamentos sexuais, mas
continua sendo apresentado por bispos,
que dão conselhos e anotam os pedidos
de oração dos telespectadores.
Nem o jornalismo -que, há três anos,
ganhou status de independente com a
contratação de Boris Casoy- escapa da
interferência da igreja.
Mesmo sendo a maior audiência da
Record, com média de 15 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 80 mil telespectadores na Grande São Paulo), o policial "Cidade Alerta", que vai ao ar diariamente no final da tarde, é inevitavelmente interrompido no meio, todos os dias,
para a entrada do quadro "Mensageiro
da Solidariedade", apresentado pelo bispo Marcelo Crivella.
Na última terça-feira, por exemplo, o
programa mostrava uma reportagem
sobre uma gangue que estava aterrorizando os alunos de uma escola de Osasco. Depois de frases indignadas contra a
violência nas cidades -"Onde é que vamos parar?", com uma música de suspense ao fundo-, o apresentador José
Luís Datena teve de interromper seu discurso: "Daqui a pouco, você vai ver o
medo dos alunos que foram ameaçados
pela gangue e tiveram que sair da escola.
Primeiro, vamos acompanhar o momento de paz e tranquilidade do bispo
Marcelo Crivella".
Nesse momento, entra uma gravação
do bispo fazendo uma visita a uma mulher que havia perdido tudo numa enchente. O bispo lhe dá novos móveis e
eletrodomésticos e termina com uma
oração. E o programa volta para a escola
invadida pela gangue.
A presença da Universal é visível até
nas novelas, mesmo que de forma bem
mais sutil do que na época em que a Record exibia "A Filha do Demônio". A
trama que é exibida atualmente, "Marcas da Paixão", tem como locação a cidade de Irecê, na Bahia, município em que
a Igreja Universal está desenvolvendo o
Projeto Nordeste, que pretende construir fazendas coletivas.
Procurados insistentemente pela Folha, os membros da diretoria da Record
não quiseram atender à reportagem. Segundo o diretor Marcus Vinícius Chisco,
isso iria atrapalhar a nova "estratégia de
comunicação" da emissora.
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