São Paulo, domingo, 15 de outubro de 2000

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CHUTE NA IMAGEM
Com a contratação de agência e investimento na programação, emissora quer ganhar vida própria
Record tem fé na publicidade

Folha Imagem
Adriane Galisteu, nova contratada da Record


CLÁUDIA CROITOR
DA REPORTAGEM LOCAL

HÁ ALGUNS anos, um bispo da Igreja Universal do Reino de Deus chutava a imagem de Nossa Senhora Aparecida em um programa da Rede Record, bispos da Universal reunidos no programa "25ª Hora" acusavam funcionários da Rede Globo de arquitetarem um plano para desmoralizar a igreja, e a emissora produzia a minissérie "A Filha do Demônio", sobre uma menina que teve sua alma vendida ao diabo e que, aos 20 anos, é levada por sua vizinha a uma igreja, onde o demônio é exorcizado.
Hoje, a mesma Record acaba de contratar a apresentadora Adriane Galisteu na tentativa de criar um programa voltado para o público jovem -e, pelo seu contrato, ela poderá usar a roupa que quiser durante a atração e terá total liberdade de expressão-, o jornalismo da emissora conta com um correspondente em Londres, e a rede investe em um núcleo de teledramaturgia.
Nos últimos 12 meses, a audiência da Record teve um crescimento de cerca de 20%. O programa infantil comandado por Eliana, com o desenho "Pokémon" como aliado, frequentemente fica em primeiro lugar na audiência, e até na programação dominical a Record já conquistou vitórias sobre Globo e SBT.
Todas essas inovações, que vêm acontecendo há algum tempo na rede, fazem parte de um projeto da emissora de se tornar mais competitiva e profissional e mostrar que é independente, e não mais a "TV do bispo". As mudanças, que ganharam novo fôlego com a renovação de parte da diretoria da rede cerca de um mês atrás, incluem ainda a contratação de uma agência de publicidade para tentar melhorar a imagem da rede junto à opinião pública.
Há algumas semanas, a Giusti-Loducca foi incumbida de desvincular a imagem da Record da Igreja Universal do Reino de Deus -apesar de o fundador da igreja, o bispo Edir Macedo, ainda ser o dono da emissora. A primeira medida será a convocação da imprensa, esta semana, para anunciar as novidades na estrutura e na programação da rede.
Mas, mesmo com todas essas providências, não será uma tarefa fácil desvincular a Record da imagem da igreja. Da grade de programação à diretoria, a Universal ainda ocupa um espaço considerável na emissora.
No comando da rede, por exemplo, está o bispo Honorilton Gonçalves, como presidente. Na nova diretoria, Marcus Aragão, que era diretor e foi promovido a superintendente artístico e de programação, é pastor da Universal; Marcus Vinícius Chisco, que entrou em seu lugar, na diretoria de programação, é casado com uma sobrinha de Edir Macedo.
E não é só na diretoria que os bispos da Universal estão presentes. Boa parte dos horários da emissora -quase toda a madrugada até o começo da manhã- ainda são ocupados pela própria Universal, que compra os horários para transmitir cultos e programas religiosos.
A direção da Record não quis divulgar números, mas, no ano passado, o dinheiro que vinha da igreja representava 15% do faturamento total da emissora, e até hoje a rede não sobrevive financeiramente sem o dinheiro da Universal.
Algumas atrações ligadas à igreja se renovaram e buscaram um distanciamento da religião, mas continuam ligadas à Universal. O programa de debates "Fala Que Eu te Escuto", espécie de substituto do "25ª Hora", passou a entrevistar ex-mulheres de pagodeiros, mostrar cenas de cirurgia de implante de silicone e discutir comportamentos sexuais, mas continua sendo apresentado por bispos, que dão conselhos e anotam os pedidos de oração dos telespectadores.
Nem o jornalismo -que, há três anos, ganhou status de independente com a contratação de Boris Casoy- escapa da interferência da igreja.
Mesmo sendo a maior audiência da Record, com média de 15 pontos no Ibope (cada ponto equivale a 80 mil telespectadores na Grande São Paulo), o policial "Cidade Alerta", que vai ao ar diariamente no final da tarde, é inevitavelmente interrompido no meio, todos os dias, para a entrada do quadro "Mensageiro da Solidariedade", apresentado pelo bispo Marcelo Crivella.
Na última terça-feira, por exemplo, o programa mostrava uma reportagem sobre uma gangue que estava aterrorizando os alunos de uma escola de Osasco. Depois de frases indignadas contra a violência nas cidades -"Onde é que vamos parar?", com uma música de suspense ao fundo-, o apresentador José Luís Datena teve de interromper seu discurso: "Daqui a pouco, você vai ver o medo dos alunos que foram ameaçados pela gangue e tiveram que sair da escola. Primeiro, vamos acompanhar o momento de paz e tranquilidade do bispo Marcelo Crivella".
Nesse momento, entra uma gravação do bispo fazendo uma visita a uma mulher que havia perdido tudo numa enchente. O bispo lhe dá novos móveis e eletrodomésticos e termina com uma oração. E o programa volta para a escola invadida pela gangue.
A presença da Universal é visível até nas novelas, mesmo que de forma bem mais sutil do que na época em que a Record exibia "A Filha do Demônio". A trama que é exibida atualmente, "Marcas da Paixão", tem como locação a cidade de Irecê, na Bahia, município em que a Igreja Universal está desenvolvendo o Projeto Nordeste, que pretende construir fazendas coletivas.
Procurados insistentemente pela Folha, os membros da diretoria da Record não quiseram atender à reportagem. Segundo o diretor Marcus Vinícius Chisco, isso iria atrapalhar a nova "estratégia de comunicação" da emissora.


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