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CRÍTICA
Exclamações sobre o tédio
FERNANDO DE BARROS E SILVA
A REDE TV! estreou há pouco mais de um mês. E
daí, seria o caso de perguntar. Ela é um arremedo de programas já existentes, melhor aqui, pior
ali, mas basicamente igual às outras. Muito mais
pobre que a Globo, não há dúvida, menos trash que a Gazeta e o SBT, por enquanto, mas sua presença faz tanta diferença quanto os programas sociais do governo.
Chama a atenção nesse deserto de originalidade e projetos o ridículo ponto de exclamação -Rede TV!-, como
a enfatizar, involuntariamente, que a proposta da emissora é essa mesmo(!), ou seja, nenhuma.
Nisso também não difere das demais. A
ambição das TVs começa e acaba na busca da audiência. Até a TV Cultura, como
se sabe, anunciou sua adesão ao canto da
sereia da "sociedade publicitária".
Talvez tenham razão os que dizem que
sempre foi assim -que as coisas antes
eram piores e que depois foram apenas
piorando-, mas a Globo, a despeito de
ter sido o braço eletrônico do "milagre
brasileiro" sob os militares, já teve um
dia veleidades civilizatórias. Onde estão
hoje? No projeto "Brasil 500 Anos"?, esse
engodo de marketing; nesses shows destinados a fazer lobby de artistas caridosos e distribuir sopão e circo à ralé?
Voltando à Rede TV!. Muita gente comprou o slogan e repetiu que a emissora
pretendia ser uma "alternativa de qualidade" à programação. Todo slogan costuma ser uma espécie de escárnio que visa iludir a boa-fé do espectador, e
esse só é melhor do que os demais porque não ilude ninguém. É escárnio, ponto. Não terá sido por acaso que os
elogios à nova emissora tenham se concentrado na qualidade de suas... vinhetas. O que há, de fato, de alternativo
na Rede TV! é o uso intensivo e abusivo da interatividade.
O novo dono da antiga Manchete é o mesmo do grupo
TeleTV, que operava os telessorteios do 0900. Aqueles
que, autorizados pelo governo, tinham supostas finalidades filantrópicas, e que continuaram à luz do dia e a todo
vapor mesmo depois de provado (por reportagens desta
Folha, diga-se) que a tal boa ação era apenas fachada para
a realização de negócios fabulosos.
Pois bem, como todas as emissoras, a Rede TV! tem também a sua galeria de loiras de estimação. Tiazinha, da
Band, não é loira. O problema não é esse, como se sabe,
mas a exceção morena na selva oxigenada vale um parêntese: Tiazinha surgiu como e foi por muito tempo apenas
uma bunda mascarada; não falava, e só foi obrigada a fazê-lo depois de esgotadas as possibilidades de exploração
artístico-mercantis do seu glúteo enfeitiçado. Nunca foi a
bem dizer "humana". De fetiche mudo sadomasô em versão soft, saltou direto para a justiceira de história em quadrinhos. O registro onírico e infantilizante da personagem serve de alimento aos clichês do pior machismo.
Falávamos das loiras, e Adriane Galisteu é a rainha delas
na Rede TV! Consta que ela seria pródiga em cometer gafes. Não nos programas que vi, onde
Galisteu mostrou enorme desenvoltura à frente do seu "SuperPop". Faz, e
bem, o que dela se espera. Seria ocioso
comentar um programa que já se explica pelo nome. Ele é tão previsível e
constrangedor e tolo quanto os seus
similares de auditório. Mas Galisteu
tem, digamos, uma vantagem sobre as
rivais. Não usa máscara, nunca camuflou sua ganância e seu arrivismo com
supostos interesses pela causa dos baixinhos, nada dessa empulhação. Quer
apenas ganhar dinheiro, e o diz abertamente. Sua transparência não a absolve, é certo, mas acusa o cinismo da
concorrência. Ela é uma espécie de
ACM numa TV que procura em vão
justificar suas boas intenções tucanas.
A TV, como as loiras, está cada vez
mais igual, varia um pouco o verniz de bons modos e a hipocrisia de cada uma. Será isso que vemos hoje na programação a realização do projeto nacional-popular que
alimentou, durante décadas, desde os anos 50, muitas ilusões progressistas? Sim, em parte, mas realização perversa, que se dá por meio da e se esgota na mídia, já que a incorporação social que ela pressupunha nunca esteve tão
distante do lado de cá da tela. Mais que isso, deixou de fazer parte do horizonte. A ideologia nacional-popular volta a ser, depois da sua queda, o que sempre foi: ideologia.
A diferença está no fato de que aquilo que era promessa
surge agora como fato virtualmente consumado. A TV é
depositária e se serve dessa miragem do Brasil.
E, por falar em tédio, trepidante o saldo do dia da não-violência na TV patrocinado pelo secretário dos Direitos
Humanos, José Gregori. Foi no último dia 10, para quem
não sabia. As TVs ignoraram e ninguém percebeu, mas,
desde então, acredite, estamos todos muito melhores.
E-mail: fbsi@uol.com.br
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