São Paulo, Domingo, 19 de Dezembro de 1999


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CRÍTICA

Exclamações sobre o tédio

FERNANDO DE BARROS E SILVA

A REDE TV! estreou há pouco mais de um mês. E daí, seria o caso de perguntar. Ela é um arremedo de programas já existentes, melhor aqui, pior ali, mas basicamente igual às outras. Muito mais pobre que a Globo, não há dúvida, menos trash que a Gazeta e o SBT, por enquanto, mas sua presença faz tanta diferença quanto os programas sociais do governo.
Chama a atenção nesse deserto de originalidade e projetos o ridículo ponto de exclamação -Rede TV!-, como a enfatizar, involuntariamente, que a proposta da emissora é essa mesmo(!), ou seja, nenhuma. Nisso também não difere das demais. A ambição das TVs começa e acaba na busca da audiência. Até a TV Cultura, como se sabe, anunciou sua adesão ao canto da sereia da "sociedade publicitária".
Talvez tenham razão os que dizem que sempre foi assim -que as coisas antes eram piores e que depois foram apenas piorando-, mas a Globo, a despeito de ter sido o braço eletrônico do "milagre brasileiro" sob os militares, já teve um dia veleidades civilizatórias. Onde estão hoje? No projeto "Brasil 500 Anos"?, esse engodo de marketing; nesses shows destinados a fazer lobby de artistas caridosos e distribuir sopão e circo à ralé?

  Voltando à Rede TV!. Muita gente comprou o slogan e repetiu que a emissora pretendia ser uma "alternativa de qualidade" à programação. Todo slogan costuma ser uma espécie de escárnio que visa iludir a boa-fé do espectador, e esse só é melhor do que os demais porque não ilude ninguém. É escárnio, ponto. Não terá sido por acaso que os elogios à nova emissora tenham se concentrado na qualidade de suas... vinhetas. O que há, de fato, de alternativo na Rede TV! é o uso intensivo e abusivo da interatividade. O novo dono da antiga Manchete é o mesmo do grupo TeleTV, que operava os telessorteios do 0900. Aqueles que, autorizados pelo governo, tinham supostas finalidades filantrópicas, e que continuaram à luz do dia e a todo vapor mesmo depois de provado (por reportagens desta Folha, diga-se) que a tal boa ação era apenas fachada para a realização de negócios fabulosos.

  Pois bem, como todas as emissoras, a Rede TV! tem também a sua galeria de loiras de estimação. Tiazinha, da Band, não é loira. O problema não é esse, como se sabe, mas a exceção morena na selva oxigenada vale um parêntese: Tiazinha surgiu como e foi por muito tempo apenas uma bunda mascarada; não falava, e só foi obrigada a fazê-lo depois de esgotadas as possibilidades de exploração artístico-mercantis do seu glúteo enfeitiçado. Nunca foi a bem dizer "humana". De fetiche mudo sadomasô em versão soft, saltou direto para a justiceira de história em quadrinhos. O registro onírico e infantilizante da personagem serve de alimento aos clichês do pior machismo.

  Falávamos das loiras, e Adriane Galisteu é a rainha delas na Rede TV! Consta que ela seria pródiga em cometer gafes. Não nos programas que vi, onde Galisteu mostrou enorme desenvoltura à frente do seu "SuperPop". Faz, e bem, o que dela se espera. Seria ocioso comentar um programa que já se explica pelo nome. Ele é tão previsível e constrangedor e tolo quanto os seus similares de auditório. Mas Galisteu tem, digamos, uma vantagem sobre as rivais. Não usa máscara, nunca camuflou sua ganância e seu arrivismo com supostos interesses pela causa dos baixinhos, nada dessa empulhação. Quer apenas ganhar dinheiro, e o diz abertamente. Sua transparência não a absolve, é certo, mas acusa o cinismo da concorrência. Ela é uma espécie de ACM numa TV que procura em vão justificar suas boas intenções tucanas.

  A TV, como as loiras, está cada vez mais igual, varia um pouco o verniz de bons modos e a hipocrisia de cada uma. Será isso que vemos hoje na programação a realização do projeto nacional-popular que alimentou, durante décadas, desde os anos 50, muitas ilusões progressistas? Sim, em parte, mas realização perversa, que se dá por meio da e se esgota na mídia, já que a incorporação social que ela pressupunha nunca esteve tão distante do lado de cá da tela. Mais que isso, deixou de fazer parte do horizonte. A ideologia nacional-popular volta a ser, depois da sua queda, o que sempre foi: ideologia. A diferença está no fato de que aquilo que era promessa surge agora como fato virtualmente consumado. A TV é depositária e se serve dessa miragem do Brasil.

  E, por falar em tédio, trepidante o saldo do dia da não-violência na TV patrocinado pelo secretário dos Direitos Humanos, José Gregori. Foi no último dia 10, para quem não sabia. As TVs ignoraram e ninguém percebeu, mas, desde então, acredite, estamos todos muito melhores.


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