São Paulo, domingo, 21 de abril de 2002

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Emissoras servem cardápios cada vez mais esdrúxulos nas gincanas

O BARATO DAS BARATAS

Divulgação
Zeca Camargo apresenta o cardápio ao aeroviário Fábio Nascimento


CARLA MENEGHINI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

HÁ CERCA de um ano e meio, uma cena da primeira edição de "No Limite" chocou muitos telespectadores: os participantes do "reality show" da TV Globo comendo olho de cabra. Era repugnante, mas ninguém conseguia parar de olhar, e a audiência foi nas alturas. Hoje, cenas repulsivas, tais como gente comendo iguarias detestáveis, lidando com bichos asquerosos ou vomitando, são atrações comuns na TV brasileira. Em "Hipertensão", que estreou domingo passado na mesma Globo, foram ingeridas baratas e minhocas. A cena mereceu um comentário de Ratinho, do SBT: "Se eu fizer isso aqui, vão gritar que é baixaria!". No "Interligado Games", da Band, o participante deve comer farofa de formiga e enfiar a mão em um aquário de sapos. João Kléber "enterrou" a atriz Leila Lopes e o ator Rodrigo Pavanello num caixão cheio de ratos no "Você na TV", da Rede TV!. E tem mais: em "Descontrole", da Band, já houve vômito e uma conversa no vaso sanitário. No "É Show", da Record, com Adriane Galisteu, uma pessoa da platéia é fechada numa caixa de plástico com insetos vivos. E o "Domingo Legal", do SBT, faz artistas tentarem descobrir qual é o bicho, apenas tocando nas criaturas asquerosas. "É uma pena que a TV explore fórmulas cada vez mais degradantes para o ser humano; lamento a falta de criatividade das emissoras", diz o sociólogo Laurindo Leal Filho, professor da USP. As cenas nojentas estão com os dias contados, pelo menos no "Descontrole", que chegou a mostrar o assistente de palco Cidão vomitando. Segundo a assessoria, "a Band admite que houve excessos e pretende corrigir o programa". "O público tem uma curiosidade natural por tudo aquilo que é anormal, a mesma que faz com que as pessoas se amontoem na rua para ver feridos de um acidente", diz o sociólogo. "Mas não tenho dúvida de que o telespectador só assiste a esses programas por falta de opção."

Coquetel
Na estréia de "Hipertensão", os participantes que almejavam o prêmio de R$ 50 mil tiveram de comer um "coquetel" de seis minhocas, quatro tenebras e uma barata -todas vivas. "As provas envolvendo bichos são propositalmente repulsivas, são feitas para que eles desistam; o público não quer ver, mas quer saber quem vai se superar, quem vai se submeter a esse tipo de experiência", diz o diretor-geral do programa, Carlos Magalhães. O aeroviário Fábio Nascimento, 24, vencedor do primeiro episódio, conta como conseguiu enfrentar a "degustação": "Fui para a gravação decidido a fingir que a barata era um sushi, mas, quando a coloquei na boca, não deu para me enganar, pois o asco era muito. Só me preocupei em morder forte para matar os bichos e depois engolir rápido". Segundo Fábio, os participantes foram instruídos por uma nutricionista -que os aconselhou a fazer apenas uma refeição leve antes da gravação-, e os bichos aparentavam ser "bem limpinhos", o que não impediu que ele sentisse náusea após a prova. "Não conseguia parar de pensar que tinha uma barata dentro da minha barriga." Segundo Magalhães, os bichos utilizados no programa vêm de laboratórios especializados.

Sadismo
No "Interligado Games", a "Prova do Banquete" prevê que os competidores -pré-adolescentes- comam pratos como testículo e rim de boi, farofa de formigas, larvas de laranja (vivas), olho de cabra e ovas de bagre. Noutra prova, devem enfiar a mão em aquários cheios de insetos, sapos, cobras ou ratos.
"Apesar de serem nojentos, são pratos exóticos que existem em outros lugares do mundo; mas é claro que servimos sem tempero, senão perde a graça", diz a apresentadora Fabiana Saba, que, no entanto, afirma que nunca comeria nenhum dos "pratos" que serve.
Enquanto o participante enfrenta as provas, a apresentadora faz comentários para provocar mais nojo. "Confesso que sou meio sádica na hora da prova; acho divertido ver que a pessoa está morrendo de asco e, ainda assim, come", diz.
Para a apresentadora, o telespectador prefere ver cenas nojentas "de mentirinha" do que assistir à violência de verdade. "Meu programa é muito mais light que qualquer telejornal", afirma. Mas ela confessa que frequentemente não consegue almoçar após as gravações.
Laurindo Leal Filho acredita que o apelo televisivo às cenas nojentas tem vida curta: "Com o tempo isso será banalizado e logo substituído por nova fórmula".



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