São Paulo, domingo, 18 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ARTIGO

O engate que protege é o mesmo que danifica

PASQUALE CIPRO NETO
COLUNISTA DA FOLHA

Desde 2001, tramita no Contran (Conselho Nacional de Trânsito) um projeto que regulamenta a instalação de engates na traseira de veículos.
A função original do equipamento -servir de reboque para elementos como trailers ou barcos- foi desvirtuada por "espertos" que, guiados por uma lógica torta, instalam o equipamento para evitar arranhões no pára-choque e batidas pequenas.
A lógica é duplamente torta porque não leva em conta estes fatores: a) o engate que protege é o mesmo que danifica, quando o carro que tem engate é o que estaciona de ré, ou seja, bombardeia a dianteira do carro que está parado; b) quem com o ferro fere com o ferro será ferido, ou seja, o carro que tem engate pode estar parado e ser bombardeado por outro que, portador do tosco acessório, entra de ré na vaga anterior à ocupada pelo parceiro de "esperteza".
Espertezas semelhantes são típicas de um povo que ainda não se libertou da medonha vontade de levar vantagem em tudo (e que conta com a omissão ou a lerdeza do poder público).
O tiro sai pela culatra, meu irmão. Para desentortar a rude lógica dos que instalam o engate na traseira, seria necessário instalar outro, na dianteira.
Que lindo! E depois sou obrigado a ouvir dizer que somos um povo pacífico e solidário.

Risco para os passageiros
Mas o pior ainda está por vir. Qualquer pessoa que tenha lido meia linha do "Manual Básico de Resistência dos Materiais do Professor Zoró" sabe que o engate pode anular o efeito do pára-choque. "Numa batida, o engate concentra o impacto e o repassa à estrutura do veículo", afirma Carlos Eduardo Leitão, coordenador da Câmara de Assuntos Veiculares do Contran. Ele explica que os veículos são projetados para sofrer deformações que evitem que o impacto da batida seja repassado aos passageiros.
"O engate mal instalado pode atrapalhar esse cálculo e aumentar o risco para os passageiros", completa.
Uma das medidas do projeto que tramita no Contran exige que os engates sejam desmontáveis ou dobráveis e que não permaneçam à mostra quando não estiverem em uso.
"Isso é uma garantia também para os pedestres, que podem tropeçar no equipamento e se machucar", declara Leitão.
O projeto aguarda aprovação, e a previsão é que entre em vigor ainda neste ano. Depois da publicação, os proprietários terão um ano para se adaptar às regras.

Prejuízo
Além do perigo extra para passageiros e pedestres, quem coloca engate na traseira do carro como forma de evitar prejuízos com amassados ou riscos no pará-choque pode estar fazendo um mau negócio. O equipamento, que muitas vezes é aparafusado por fora, no assoalho do veículo, logo abaixo do porta-malas, pode até evitar os arranhões provocados por algum motorista pouco habilidoso, mas, se estiver mal instalado, pode aumentar o prejuízo no caso de uma colisão.
Mecânicos ouvidos pela Folha explicam que, em batidas de pequena intensidade, em que normalmente apenas o pára-choque, a tampa do porta-malas e as lanternas traseiras sairiam danificados, a existência do engate pode piorar ainda mais o quadro.
"Em uma colisão por trás, o engate força o assoalho do carro, que pode se romper, abrindo-se um rombo embaixo do porta-malas", esclarece Alfredo Fiola, que coordena o setor responsável por colisões do Sinderepa (Sindicato das Oficinas Mecânicas Independentes de São Paulo).
Os gastos com o conserto podem ser ainda maiores se materiais como alto-falantes, estepe e fiação forem danificados.
"Se o objetivo do dono é colocar o engate apenas para evitar batidinhas e aranhões nos estacionamentos, a relação custo-benefício pode não compensar", afirma Walter Marques, da Marques e Marques Oficina Mecânica.
As montadoras recomendam que apenas engates homologados por elas sejam instalados nos carros, desde que se obedeça a certos pontos específicos, que variam conforme o carro, para que a estrutura do veículo não sofra. Segundo as montadoras, não há riscos para os passageiros quando as recomendações são seguidas.

Terceiros
Quem não consegue frear a tempo e vai de encontro à traseira do carro da frente também tem de arcar com um prejuízo maior.
No momento da colisão, o engate concentra o impacto e pode perfurar o radiador e danificar a ventoinha do outro veículo, mesmo que a batida seja pequena.


Colaborou Rafael Alves Pereira, free-lance para a Folha

Texto Anterior: Buracos: Tecnologia já permite rodar com pneus furados
Próximo Texto: Panorâmica - Luxo: Maserati Quattroporte aposta na esportividade e no conforto por R$ 731,4 mil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.