São Paulo, sábado, 10 de outubro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

MARIA INÊS DOLCI [defesa do consumidor]

A regulamentação da rede


Não se pode aproveitar o marco regulatório para inserir limitações à web, como ocorre em países antidemocráticos


O GOVERNO ANUNCIOU que vai criar um marco regulatório para a internet. Segundo o anúncio, a participação popular nas discussões se dará por meio de um blog, que recolherá as contribuições dos internautas por 45 dias. Em tese, trata-se de uma forma democrática de discussão. Nada melhor do que discutir a internet em um blog. Talvez fosse o caso de ampliar esse fórum para Twitter e demais redes sociais. Os focos divulgados -responsabilidade civil de provedores e usuários, privacidade de dados, vedação de discriminação ou filtragem de conteúdo e direitos fundamentais do internauta- parecem adequados, também.
O que não pode ocorrer, nem em sonho, é que se aproveite o marco regulatório para inserir censuras e outras limitações à web, como ocorre em países antidemocráticos.
Ao liberar os debates na internet, sem as amarras que os limitam e apequenam, hoje válidas para os meios de comunicação tradicionais, o presidente Lula deu motivos para que acreditemos em regulamentação sem freios no mundo virtual.
É tênue a linha que separa a identificação de criminosos na rede (golpistas, pedófilos, chantagistas etc.) da invasão de privacidade. Essa invasão poderia gerar discriminação, perseguições e chantagens.
Talvez seja um dos aspectos mais polêmicos desse debate. Imagino que se possa pensar em exigência de autorização judicial para obter informações sigilosas de um internauta, se houver fortes indícios de atividade ilegal. Mas os dados não deveriam ser vazados antes da comprovação da suspeita -coisa que, lamentavelmente, ocorre o tempo todo com gravações telefônicas de supostos atos criminosos.
Em relação à responsabilidade penal dos provedores de acesso e de conteúdo, tenho mais simpatia pela forma como os EUA tratam o assunto. Lá, os provedores só são responsáveis pelo conteúdo divulgado pelos internautas quando forem advertidos de condutas irregulares e não tomarem providências.
Com isso, inibe-se um viés autoritário e a censura. Também seria importante ampliar os debates para os direitos dos consumidores.
Quanto menos os tais marcos regulatórios atrapalharem algo que funciona muito bem, melhor.
A internet só prosperou porque é livre, anárquica no melhor sentido da palavra. Há abusos, certamente, mas eles não devem desmerecer uma ideia brilhante, que migrou do mundo da guerra para a vida civil.
Hoje, os tiranos tremem de raiva e de medo frente à rede das redes. Ninguém mais é uma ilha: mesmo em uma cidade pequena, sem cinema, teatro ou jornal diário, qualquer pessoa pode ter acesso instantâneo a informações sobre o que acontece no mundo todo.
Muito cuidado, então, ao regular a internet.


Texto Anterior: As regras da brincadeira
Próximo Texto: Menino e menina: Muito além da bola e da boneca
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.