Há muita gente vendendo o neuromarketing como sendo a salvação da lavoura e o segredo definitivo para aumentar as vendas, mas o neurocientista americano Joseph Devlin afirma: nem toda empresa precisa investir nessa área, e a neurociência não é instrumento para fazer automaticamente o consumidor comprar mais.
"Isso seria ficção científica. É preocupante haver pessoas vendendo essa ideia", diz Devlin à Folha.
Professor da University College de Londres, Devlin chega ao Brasil para uma série de palestras organizadas pela agência de publicidade Neurosolution. As atividades foram realizadas em São Paulo (dias 2/10 e 3/10), Rio de Janeiro (5/10 e 6/10) e acontecem em Brasília (9/10 e 10/10).
Nesta entrevista, ele fala sobre as noções básicas e as questões éticas do neuromarketing.
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O neurocientista americano Joseph Devlin |
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Folha - Por que usar os conhecimentos da neurociências no marketing?
Joseph Devlin - Quando as pessoas tomam decisões, como a de comprar um produto, acreditam ser algo racional. No marketing tradicional, são feitas perguntas ao consumidor -"Você gostou do produto?", "Por quê?"- para entender suas escolhas. Isso é útil até certo ponto, mas as pessoas não sabem explicar os principais motivos que as levam a comprar algo.
As decisões passam por uma série de vieses cognitivos e emocionais não verbalizados, que acionam diferentes partes do cérebro. A neurociência tem instrumentos e conhecimento para medir e interpretar o que está acontecendo no cérebro e descobrir o que foi levado em conta na hora de tomar decisões. Com isso, é possível descobrir os desejos não racionais do consumidor e prever comportamentos e tendências.
Como fazer isso de uma maneira mais ética?
Devemos dar essas informações ao consumidor, para ele ter ideia dos fatores que o influenciam e poder tomar a melhor decisão. Qualquer forma de marketing tenta levar as pessoas a comprar determinado produto em detrimento de outro, sempre há algum grau de manipulação.
O que me preocupa em relação ao neuromarketing é vender a ideia de que é possível descobrir tudo o que está acontecendo no cérebro e "apertar botões" para fazer a pessoa comprar algo.
Isso não é neuromarketing, é ficção científica, mas o próprio fato de haver pessoas vendendo essa ideia já é preocupante.
A indústria e o governo deveriam estabelecer regras para a aplicação do neuromarketing, mas não é algo comum. No Reino Unido, por exemplo, não há nenhuma regulamentação.
Usar o conhecimento de fatores não racionais para influenciar o consumidor é uma forma aceitável de manipulação?
Como neurocientista, meu papel é dar às empresas algumas ferramentas para medir a eficácia de sua comunicação e entender como suas mensagens são recebidas pelo público, e não dar a chave do segredo para fazer o cérebro tomar decisões.
Os conhecimentos de neurociências servem para descobrir qual parte do cérebro é ativada pelas informação e como melhorar a comunicação entre quem vende um produto (seja um produto ou uma campanha de saúde) e quem compra.
O neuromarketing é hoje uma ferramenta indispensável nos negócios?
Nem toda empresa precisa investir em neuromarketing. Se já há investimento ou disposição para gastar em pesquisa e desenvolvimento de produto, as ferramentas da neurociência são muito úteis, mas isso não quer dizer que beneficiam a todos.
O problema hoje é haver muitos profissionais com informações sobre neurociência, algumas até bem fundamentadas, mas que se apresentam ao mercado dizendo que o neuromarketing é a única coisa necessária para a empresa crescer e vender mais. Isso é bobagem.