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Até os cheiros ocupam espaço em apartamentos minúsculos

Eu vivo com meu marido em um imóvel de 45 metros quadrados em Cambridge, nos EUA. Moramos em um microapartamento, ou, como algumas pessoas dizem, em uma casa minúscula. Com isso fazemos parte, a contragosto, de um movimento internacional em crescimento.

Mas os caríssimos armários sob medida e as camas dobráveis escondem verdades desagradáveis sobre como é viver em um imóvel pequeno.

Aqui, do lado de dentro, acabamos por descobrir que menor não é melhor, afinal. Como a maioria silenciosa dos moradores pobres ou de classe média em cidades grandes e caras, vivemos em moradias minúsculas não por opção, mas porque é isso que nosso dinheiro permite.

O aspecto mais notável de nossas vidas minúsculas é a presença inevitável, e impositiva, da cesta plástica de roupa suja comprada em 2007. Objetos embaraçosos e comuns como essa cesta ganham poder em espaços pequenos: tornam-se tiranos. Em uma casa maior, um item como esse ficaria escondido no armário ou na lavanderia.

Essa feiosa peça central de nossa decoração, comprada por US$ 10, ocupa aproximadamente 0,4% da superfície de nosso lar, mas visualmente parece maior. Ela se eleva por sobre o resto do espaço.

A vida em nossa casa é caracterizada acima de tudo pela precariedade. Da mesma forma que as bolas de poeira se espalham de maneira incontrolável pelo apartamento, o sentimento de penúria cresce, simplesmente porque ele já existe.

Ninguém avisa que, em uma casa minúscula, as coisas são mais concentradas, e que o ciclo natural de vida dos objetos se acelera. Nossas coisas estão se desgastando mais rápido do que acontecia nas casas anteriores.
Passamos mais horas por dia sentados em nosso solitário sofá. As almofadas estão se desbotando, as molas estão perdendo a elasticidade, os cantos estão puídos.

Nosso tapete está perdendo as cerdas nos trilhos que percorremos a cada dia, expondo impiedosamente nossas repetitivas rotinas: da máquina de café ao sofá, do sofá à pia, e de volta ao sofá.

No nosso apartamento até mesmo cheiros podem ocupar espaço. Certa vez cozinhamos uma refeição que pedia por 1,5 quilo de cebolas caramelizadas. As cebolas passaram horas derretendo em uma frigideira.
Tecnicamente, o espaço ocupado por elas era cada vez menor, mas de alguma forma se tornaram mais e mais intrusivas. Mal saídos do chuveiro, não demorávamos a ficar com cheiro de cebola -com cheiro de casa pequena.

Durante muitas semanas, aquele cheiro se tornou uma das certezas de nossas microvidas. O repositório predileto do aroma, acabei por descobrir, era meu sutiã esportivo New Age, de poliéster. "Sim, está com cheiro de cebola", meu marido confirmou semanas mais tarde. Usei o sutiã mesmo assim e levei aquele cheiro pela cidade.

Deixar uma casinha minúscula para trás não é possível. Ela o acompanha aonde quer quer você vá.

Gene Tempest é escritora e historiadora e vive em Cambridge, Massachusetts

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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