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Temporais obrigam empresas de economia de água a se renovar

Zanone Fraissat/Folhapress
Sibylle Muller, da AcquaBrasilis, em empreendimento com sistema de reúso, em São Paulo
Sibylle Muller, da AcquaBrasilis, em empreendimento com sistema de reúso, em São Paulo

A pior estiagem já enfrentada em São Paulo, em 2014 e 2015, deixou milhares de moradores com as torneiras secas. Por outro lado, ajudou a impulsionar o crescimento de empresas que oferecem soluções para a economia de água, como sistemas de reúso e descontaminação.

Hoje, com a região metropolitana passando pelo dilema inverso -janeiro de 2017 foi o quarto mais chuvoso em 75 anos-, o maior desafio desses negócios é provar que o uso racional da água veio para ficar e que gera benefícios ambientais.

"Há grande espaço para esse mercado, porque o problema não está solucionado", diz o engenheiro Vladimir Borges de Souza, presidente da Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH).

Segundo ele, mesmo que o governo faça a sua parte, ampliando a capacidade de abastecimento e eliminando as perdas no sistema, a demanda precisa diminuir.

"Este ano está chuvoso, mas o próximo pode ter uma nova estiagem. A sociedade vai ter que se preparar de uma maneira mais robusta", diz.

NA MEDIDA CERTA

No auge da crise hídrica, a Draco, especializada em automação de sanitários e lavatórios profissionais, viu a venda de seus dispositivos economizadores quadruplicar.

Instalados em torneiras, chuveiros e descargas, os equipamentos custam entre R$ 20 e R$ 180 e podem gerar uma redução de 15% a 55% na conta de água, dependendo do perfil de consumo.

Em 2015, o crescimento da empresa superou os 30%. "Foi um boom. O telefone não parava de tocar", conta o engenheiro elétrico Ricardo Dutra, sócio da Draco.

Empolgado, ele investiu quase todo o lucro extra em marketing, aumento de estoque e contratação de pessoal. Com a volta das chuvas, porém, a procura diminuiu.

O jeito foi fortalecer a estratégia que já usava antes: procurar os grandes consumidores de água -hotéis, comércios e indústrias- e mostrar que, com a economia, o valor investido tem retorno em alguns meses.

"Como o negócio era sólido, não houve uma queda tão forte, mas eu deveria ter guardado dinheiro e não ter sido tão otimista", avalia.

Já para a AcquaBrasilis, especializada em tratamento hídrico, a crise ampliou o leque de clientes. "A volta das chuvas não teve tanto impacto em nossos projetos, que são a longo prazo", afirma a diretora Sibylle Muller.

Além de grandes consumidores, como shoppings, a empresa passou a atender construtoras interessadas em lançar novos empreendimentos com sistemas de reúso de águas cinzas (de lavatórios e chuveiros), que geram de 30% a 60% de economia.

O objetivo é tornar os imóveis mais atrativos para os compradores. "Inclusive, a verba que usam para pagar o serviço é a de marketing", conta a engenheira.

Para ela, o mercado está em ascensão, mas exige cuidados. "É preciso trabalhar com tecnologia confiável e mostrar sua viabilidade econômica, já que 90% dos clientes não fazem pelo impacto ambiental", afirma.

Zanone Fraissat/Folhapress
O químico Juliano Andrade, sócio da Oxi Ambiental, em São Paulo
O químico Juliano Andrade, sócio da Oxi Ambiental, em São Paulo

FORÇA DA LEI

A crise hídrica também foi responsável pelo aumento da fiscalização relacionada à poluição das águas pela indústria, o que intensificou a demanda de trabalho de empresas de descontaminação, como a Oxi Ambiental.

Criada em 2011 pelo químico Juliano Andrade e seu sócio, Ricardo Gonçalves, a start-up usa tecnologia própria para avaliar o problema e produzir o "remédio" adequado para ele.

Seus maiores clientes são as indústrias químicas que precisam adequar suas práticas à lei. Então, contratam a empresa para resolver o dano gerado por anos de descaso ambiental.

Visto como um negócio promissor, a Oxi recebeu em 2016 um aporte de mais de R$ 3 milhões do Fip Inseed Fima (Fundo de Inovação em Meio Ambiente), ligado ao BNDES.

Com isso, aumentou a equipe de quatro para nove pessoas e investiu na construção de um segundo laboratório. "Esperamos um faturamento de R$ 15 milhões em cinco anos", afirma Andrade.

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SOLUÇÃO TÉCNICA DEVE SER ALIADA A BOA GESTÃO

Para que uma solução técnica -como um dispositivo que controla a pressão da água- vire um negócio, alguém precisa querer comprá-la. Parece óbvio, mas é aí que muitos empresários se perdem.

"É bem comum que profissionais técnicos tentem empreender. Mas, para dar certo, eles devem estar atentos ao mercado", afirma Maria Augusta Miglino, consultora do Sebrae-SP.

O que muitas vezes ocorre, segundo Miglino, é que o empreendedor fica tão maravilhado com uma solução em sua área de atuação que não pensa na viabilidade econômica.

"É necessário ter ousadia e, ao mesmo tempo, pé no chão. Ele precisa ir a campo, pesquisar com clientes e fornecedores e entender se o negócio vai agregar valor a alguém."

Foi o que fez a engenheira civil Sibylle Muller. Em 1998, ela viajou à região da Bavária, na Alemanha, para conhecer novas tecnologias no setor ambiental.

"Fiquei encantada e quis trazer as soluções na área de saneamento básico para o Brasil", conta.

Em 2001, Muller fundou a AcquaBrasilis, especializada em tratamento hídrico. Mas levou um tempo até que ela entendesse como o mercado poderia se interessar pela inovação.

"O aprendizado foi na marra. Começamos a ver que os clientes regiam melhor quando falávamos em economia", diz.

Decidiu focar sua atuação em reúso e aproveitamento de água da chuva -que geram redução de gastos, sobretudo para grandes consumidores, como hotéis e shoppings.

Hoje com 31 funcionários, a AcquaBrasilis registra mais de 600 projetos em seu portfólio.

"O conhecimento técnico garante a qualidade do serviço prestado, mas a gestão é um aspecto fundamental e pode se tornar o ponto fraco das microempresas", diz Miglino.

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GOTA POR GOTA
Os ramos de atuação no setor hídrico

Dispositivos economizadores
Produção de peças redutoras de vazão que podem ser acopladas a torneiras, chuveiros e descargas. Podem gerar redução de 15% a 55% na conta, dependendo do perfil de consumo. Os maiores clientes para esses produtos são grandes consumidores de água, como estabelecimentos comerciais e indústrias

Reúso de águas cinzas
Tratamento da água que vem de lavatórios ou chuveiros para ser reutilizada para fins não potáveis. Como requer tubulações diferentes, deve ser pensado na fase de projeto de novos empreendimentos. Os maiores clientes para esse serviço são grandes consumidores de água e construtoras

Aproveitamento de águas pluviais
Tratamento da água da chuva para fins não potáveis. É mais restrito que o reúso de águas cinzas porque depende de três fatores: precipitação no local, tamanho do telhado e volume de consumo que justifique o projeto. Os maiores clientes são grandes consumidores e construtoras

Descontaminação
Há vários métodos no mercado. O desenvolvido pela start-up Oxi Ambiental produz uma espécie de "remédio manipulado" para cada tipo de contaminação de águas. Trata-se de uma reação química que não gera subprodutos. Os maiores clientes são indústrias químicas e petroquímicas

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