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Justiça dos EUA abre investigação sobre ajuda do governo russo a atletas dopados

O Departamento da Justiça dos Estados Unidos abriu uma investigação sobre o doping, patrocinado pelo governo da Rússia, de dezenas dos principais atletas daquele país, disseram duas pessoas informadas sobre o caso na terça-feira (18). O inquérito representa uma escalada para uma controvérsia que já vinha mexendo com o mundo do esporte, e faz dela um caso criminal federal envolvendo autoridades estrangeiras.

A procuradoria da Justiça federal dos Estados Unidos no distrito leste de Nova York está investigando dirigentes, atletas, treinadores, autoridades antidoping e qualquer outra pessoa que possa ter se beneficiado deslealmente de um regime de doping russo, de acordo com as fontes, que não têm autorização para falar publicamente sobre o inquérito. Acredita-se que os promotores estejam preparando acusações de conspiração e fraude.

Sergei Karpukhin/Reuters
Sede do Comitê Olímpico da Rússia, em Moscou
Sede do Comitê Olímpico da Rússia, em Moscou

Tribunais federais norte-americanos permitiram que promotores abrissem processos contra estrangeiros vivendo fora dos Estados Unidos se os casos em questão tiverem alguma conexão com o país. A conexão pode ser limitada, por exemplo o uso de um banco norte-americano.

Um relatório publicado em novembro pela Agência Mundial Antidoping (AMA) acusava a Rússia de doping sistemático e patrocinado pelo Estado. O químico identificado como pessoa chave na operação —Grigory Rodchenkov, por muito tempo diretor do laboratório antidoping da Rússia —revelou ao "New York Times" este mês que trabalhou por anos, sob instruções do governo russo, para ajudar os atletas do país a usar substâncias proibidas que melhoram o desempenho esportivo, de modo que a esse uso passasse sem detecção em competições internacionais.

O Dr. Rodchenkov está entre as pessoas sob investigação pelo governo dos Estados Unidos, disse uma das duas fontes com conhecimento direto do caso.

As autoridades russas responderam às acusações com uma mistura de desafio e arrependimento. Embora em muitos casos tenham descartado enfaticamente as acusações, definidas como conspiração ocidental para desacreditar a Rússia, algumas delas adotaram postura mais conciliadora, talvez tentando conquistar o favor das autoridades esportivas que controlam a possibilidade de o seu pais disputar a Olimpíada do Rio de Janeiro, que começa em agosto.

O Ministério do Esporte russo reconheceu problemas de doping na semana passada, depois que as afirmações de Rodchenkov foram publicadas pelo "New York Times". Mas não especificou quais fossem esses problemas. Em seguida, em artigo para o jornal britânico "Sunday Times", Vitaly Mutko, o ministro do Esporte russo, disse que os dirigentes, treinadores e atleta russos haviam cometido "erros sérios", mas não chegou a delinear quais fossem esses erros ou admitir qualquer envolvimento do Estado.

Em seu inquérito, os promotores norte-americanos devem esquadrinhar quaisquer pessoas que tenham facilitado competições contaminadas nos Estados Unidos, ou usado o sistema bancário dos Estados Unidos para conduzir um programa de doping.

Atletas de elite russos competiram em diversas grandes provas esportivas nos Estados Unidos, como a maratona de Boston e campeonatos internacionais de bobsled e skeleton em Lake Placid, Nova York.

O inquérito, que surgiu no Serviço Federal de Investigações (FBI), teria de superar diversos obstáculos antes que possa resultar em acusações formais. Mesmo que os promotores consigam estabelecer jurisdição, garantir a cooperação das autoridades russas para buscar provas e testemunhas - e para, posteriormente, entregar os acusados aos Estados Unidos - seria praticamente impossível.

É raro que o governo dos Estados Unidos lide com casos de doping esportivo. Em fevereiro de 2012, um procurador federal em Los Angeles, André Birotte Jr., abandonou uma investigação criminal de dois anos de duração contra Lance Armstrong e sua equipe de ciclismo patrocinada pelos correios norte-americanos, que tentava determinar se Armstrong e outros haviam fraudado os patrocinadores ao manter um programa de doping.

Fabrice Coffrini/AFP
International Olympic Committee IOC President Thomas Bach attends a press conference closing an executive meeting on March 2, 2016 in Lausanne. French justice investigates since December on suspicion of bribery in the awarding of 2016 Rio and 2020 Tokyo Olympics a judicial source told AFP, confirming a report in British newspaper The Guardian. / AFP / FABRICE COFFRINI ORG XMIT: FAB323
Thomas Bach, presidente do COI, em entrevista na Suíça

A Agência Antidoping dos Estados Unidos, que não é uma entidade governamental, levou o caso adiante. Armstrong terminou perdendo seus sete títulos da Volta da França e foi excluído do ciclismo profissional pelo resto da vida, por aquilo que a agência definiu como "o mais sofisticado, profissionalizado e bem sucedido programa de doping já visto no esporte".

Mas os promotores do distrito leste de Nova York, em Brooklyn, já encararam casos graves de corrupção esportiva. Há anos eles vêm investigando a corrupção na Fifa, a organização que comanda o futebol mundial. O caso, tornado público em maio do ano passado, até o momento resultou em acusações contra 40 dirigentes de futebol e empresários, bem como contra duas corporações. Mais de um terço deles já se admitiram culpados.

O caso da Fifa, muito internacional em termos de escopo, implicou pessoas de duas dúzias de nacionalidades e exigiu a cooperação de diversas autoridades estrangeiras - especialmente as da Suíça - para realizar detenções, decretar extradições e obter informações sobre transações bancárias.

Embora a investigação da promotoria federal norte-americana sobre o doping russo seja independente da investigação sobre a Fifa, as duas questões se sobrepõem. Promotores da divisão de fraudes financeiras e de negócios e da divisão de crime organizado participam das duas investigações, e algumas figuras públicas têm conexões sobrepostas com o esporte russo e o futebol mundial.

Mutko, o ministro do Esporte russo, é membro do conselho dirigente da Fifa, posto que ele mantém desde 2009. Ele foi indicado em 2008 para seu atual posto no governo do presidente russo Vladimir Putin.

Em seu relato ao "New York Times", o Dr. Rodchenkov, que comandou o laboratório antidoping de Moscou por uma década, disse que era frequente que recebesse ordens diretas do ministro assistente de Mutko, Yuri Nagornykh, especialmente nos meses que antecederam a Olimpíada de Inverno de Sochi, em 2014. Em Sochi, o Dr. Rodchenkov disse ter conduzido uma complicada operação noturna que resultava na destruição de amostras de urina de atletas russos que continham doping, por ordem do governo de seu país.

Em entrevista coletiva na semana passada, Nagornykh contestou as afirmações de Rodchenkov. "Não existe programa de doping no esporte russo", ele disse. "Nunca houve e nunca haverá".

Depois do relatório da AMA no final do ano passado, que lançou dúvidas não só sobre o laboratório de Moscou mas sobre a agência antidoping russa, o Dr. Rodchenkov disse que foi convocado por Mutko à sede do Ministério do Esporte, e ordenado a apresentar sua demissão. O Dr. Rodchenkov em seguida fugiu para os Estados Unidos, temendo por sua segurança, ele disse.

Bradley Simon, advogado de defesa criminal no escritório Simon & Partners, em Nova York, confirmou estar representando o Dr. Rodchenkov, mas se recusou a comentar sobre a investigação do Departamento da Justiça.
Atualmente vivendo em Los Angeles, o Dr. Rodchenkov, 57, declarou não ter intenção de voltar à Rússia. "Não tenho escolha", ele disse em entrevista recente. "Estou entre dois fogos".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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