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Dados incorretos levam a disparada de casos de doping entre atletas brasileiros

Às vésperas do início dos Jogos Olímpicos do Rio, o esporte brasileiro vive uma disparada de casos de doping.

Um doping silencioso e que não envolve consumo de substâncias proibidas, mas, sim, desencontro e desinformação.

A Folha apurou que mais de 20 atletas olímpicos e paraolímpicos foram considerados dopados por preencherem incorretamente informações sobre seus paradeiros ou por, em três ocasiões, não estarem presentes no horário fornecido para testes fora de competição.

Alguns deles já respondem processo por infração e outros ainda serão notificados. Os nomes são mantidos sob sigilo pela ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem).
Nenhum dos atletas faz parte da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos, que começam nesta sexta-feira (5).

Além disso, ao menos 110 competidores estão "pendurados", ou seja, possuem duas faltas. Caso se ausentem mais uma vez dentro do período de um ano, também será aberto processo contra eles.

A Wada (Agência Mundial Antidoping) obriga que países criem grupos-alvo de atletas que se submetam regularmente a exames fora de competição. A ABCD, órgão responsável pelo antidoping no Brasil, anunciou a lista em junho de 2015, com cerca de 200 esportistas.

Divulgação
O ex-judoca e campeao olimpico Rogerio Sampaio, campeao em 1992 assume como secretário nacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem. (Foto Divulgacao) ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Rogerio Sampaio, atual secretário-nacional da ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem)

Esses atletas devem atualizar a cada trimestre suas informações sobre localização em um sistema fechado, chamado de Adams, ao qual tanto a Wada quanto a ABCD têm acesso.

A partir das informações dadas pelos próprios atletas, oficiais de controle antidoping vão à procura deles. Se há ausência, eles são notificados.

Por exemplo: se um indivíduo registra que estará em casa em determinado dia e hora, os agentes dão tolerância de até uma hora para que ele se apresente. As punições para quem cai nesta malha-fina vão de um a dois anos de suspensão.

Na semana passada, o atleta paraolímpico Petrucio Ferreira foi absolvido em julgamento do Tribunal Disciplinar Paralímpico. Ele foi notificado três vezes por não ser localizado por oficiais que foram fazer sua coleta fora de competição.

O tribunal entendeu que dois dos três avisos que o velocista recebeu não tinham informações claras.

Ferreira está classificado para disputar os Jogos Paraolímpicos do Rio. Porém, a Wada e a ABCD devem recorrer da decisão em primeira instância.

A Folha apurou que outro nome da delegação paraolímpica brasileira também estourou o limite de faltas: a mesatenista Bruna Alexandre, 21. Ela participou da edição de 2012, em Londres, e foi bronze no Mundial de 2014.

Bruna, porém, apresentou justificativa à ABCD e teve a punição derrubada.

DEFESA

Para se defender, Ferreira procurou Marcelo Franklin, advogado especializado em defender atletas flagrados no doping. Ele trabalhou nos casos da velocista Ana Cláudia Lemos e dos nadadores Cesar Cielo, Etiene Medeiros e João Gomes Júnior. Todos foram absolvidos após julgamentos.

Paulo Conde/Folhapress
A velocista Ana Claudia Lemos falou pela primeira vez desde o caso de doping
A velocista Ana Claudia Lemos durante entrevista na base de preparação do atletismo nacional, no Rio.

À Folha, Franklin disse ter sido procurado por outros cinco atletas, todos olímpicos, cujos casos se ainda estão em andamento.

"Também tenho acompanhado vários que têm duas faltas", disse ele, que trabalha no escritório Franklin Advogados.

A disparada de casos deixou insatisfeitos dirigentes do COB (Comitê Olímpico do Brasil). No início do mês passado, em reunião com o novo secretário da ABCD, Rogério Sampaio, o assunto esteve em pauta. A criação do grupo-alvo foi feita pelo ex-secretário da autoridade, Marco Aurelio Klein.

"Nossa preocupação [exposta na reunião] não eram os casos positivos, mas o número de testes que vinham sendo feitos versus a possibilidade do número de faltas. Ficamos em risco de muitos atletas terem três faltas e levarem um positivo, porque a ABCD e o LBCD [Laboratório Brasileiro de Controle de Dopagem] resolveram testar para avaliar a equipe deles. Foi uma confusão", afirmou o diretor-executivo da entidade, Marcus Vinícius Freire, à Folha em julho.

Uma das atletas que ficaram penduradas foi a velejadora Isabel Swan, bronze olímpico em Pequim-2008 e classificada para disputar a classe Nacra 17 no Rio.

Os mais de 20 casos representam um número alto diante do cenário nacional. O Brasil teve 46 casos positivos de doping em 2014. No ano anterior, foram 36. Quase todos pelo uso de substâncias proibidas.

Neste ano, o doping tem dominado a pauta da COI (Comitê Olímpico Internacional) devido à investigação da Wada que levou à suspensão de competidores russos dos Jogos Olímpicos do Rio.

CONTROVÉRSIA
Há menos de dois meses à frente da ABCD, o ex-judoca Rogério Sampaio afirmou que a entidade não pode se pronunciar sobre os inúmeros casos por faltas, devido a regras de sigilo estabelecidas pela Agência Mundial Antidoping.

O secretário não negou, porém, a existência de uma disparada. "Alguns atletas ainda não estão habituados a esse tipo de exame [de localização], afirmou. "Eles têm que se habituar a esse tipo de controle."

"Tudo o que fazemos é seguir as regras da Wada, que são iguais para todos", disse. Sampaio disse que a ABCD tem um trabalho a realizar e não pode "se abster ou se omitir".

A política de controle de grupos-alvo foi criada pelo antecessor do ex-judoca, Marco Aurelio Klein. Para Andrew Parsons, presidente do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro), houve "açodamento nesta política de testes, sem o devido programa de orientação".

"O processo de paradeiro começou sem a devida informação aos atletas", disse. "Nossa política em relação ao doping é de tolerância zero. Só temos uma ressalva de que poderia ter sido feito um trabalho mais robusto de educação."

O diretor técnico do comitê paraolímpico, Edilson Alves da Rocha, o Tubiba, afirmou que há alguns atletas com duas notificações, mas que têm sido monitorados pela entidade.

Ele disse que um dos maiores problemas foram relativos a atletas cegos, que tiveram dificuldade no preenchimento.

As notificações que recebiam também não eram adaptadas para cegos —o que o Comitê Paralímpico Internacional já faz costumeiramente.

No primeiro semestre, o CPB promoveu uma clínica em São Paulo para ensinar um passo a passo aos atletas sobre os procedimentos de localização.

Desde então, de acordo com Tubiba, o número de problemas de faltas diminuiu.

Em meio à insatisfação geral, Rogério Sampaio afirmou que o sistema pode ser corrigido. "Sempre que houver uma distorção, vamos tentar corrigir e fazer com que esses testes sejam feitos de maneira equilibrada. Mas os atletas têm que entender que o controle de doping não tem por objetivo punir, mas competir em condições de igualdade."

Chamada - Doping

Colaborou MARCEL MERGUIZO, de São Paulo

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