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Análise

Medalha na canoagem não é milagre de Jesús, mas obsessão pelo trabalho

A lagoa pode ser santa, e o profeta, Jesus. No entanto, quando falava da possibilidade da primeira medalha olímpica da canoagem brasileira, o técnico espanhol Jesús Morlán, 49, tinha toda programação em sua cabeça —e em mais de 8.500 folhas de papel impressas ao ano e 15 gigabytes em arquivos no computador.

Suso, como é chamado por seus atletas, já possuía um ouro e quatro pratas olímpicas como técnico do espanhol David Cal quando chegou ao Brasil em 2013 para treinar a então esperança baiana chamada Isaquias Queiroz.

Perfeccionista, metódico, costuma dizer que tornar Isaquias o primeiro brasileiro com uma medalha olímpica seria uma questão de "ciência, biologia e matemática". Não é exagero.

Uma das primeiras ações para elevar o nível da canoagem brasileira foi estudar a geografia do país. Primeiramente, queria uma lagoa em um local tranquilo (ele nasceu em uma pequena cidade da Espanha chamada Pontevedra). Depois, uma cidade onde os canoístas pudessem morar perto do local de treinamento e que as águas fossem exclusivas para seu time. Encontrou a mineira Lagoa Santa, cidade na região metropolitana de Belo Horizonte, ao lado do aeroporto de Confins.

Lá, Morlán pode aplicar todo seu método "obsessivo" e "chato para caramba". Ele mesmo se define como um "quase um psicopata" por treinamento.

Na casa alugada para a equipe brasileira, o técnico espanhol vive em um quarto que transformou em escritório, com bandeira do Brasil na parede e lençol dos Jogos de Londres-2012 na cama.

Sobre a mesa, centenas de papéis impressos (que ele também guarda em arquivos no computador e depois anota à caneta em uma terceira via) com estudos, marcas, números e planilhas de treinamento que pretende deixar para o COB. Ele reclama que o Brasil não tem qualquer tipo de arquivo para as próximas gerações e quer deixar todo seu trabalho como legado para o país.

Eleito melhor treinador de esporte individual do Brasil em 2014, ele primou pelo isolamento próprio e da equipe nos últimos meses. Limitou entrevistas e criou estratégias para expor menos seus atletas em campeonatos internacionais.

Graduado em ciências na Espanha, Morlán exige de si mesmo o comprometimento que cobra dos atletas. "Não dá para trabalhar e ter família", afirma o treinador, que deixou mulher e filha na Colômbia ao se mudar para o Brasil.

Na cidade de 60 mil habitantes para onde a equipe brasileira se mudou depois de uma experiência não tão boa treinando em São Paulo, Morlán controla tudo, até mesma as saídas dos atletas (ele tem o controle remoto do portão da casa).

"Não tem fórmula secreta para medalha. Ganha o melhor, quem trabalha mais, o resto é história da Disney", disse à Folha em 2014.

Contratado pelo COB, Morlán afirmava que só ficaria no país depois dos Jogos do Rio se conseguisse a medalha olímpica inédita. Caso contrário, não teria cumprido seu papel. Agora deve ficar, no mínimo, até Tóquio-2020.

Mais do que treinar medalhistas como David Cal (a quem levou à cidadezinha mineira por um tempo a fim de ajudar os brasileiros) e Isaquias Queiroz, ele sonha em formar novos canoístas no país.

Nesta terça, com o Cristo Redentor de braços abertos para a lagoa Rodrigo Freitas, o espanhol viu suas contas darem resultado. E não foi por milagre.

Que esporte é esse? - Olimpíada - Folha de S.Paulo

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