Templos
em ruínas
CLAUDE
SANTOS
especial para a Folha
"O relógio de parede numa velha fotografia - está
parado?"
Mario Quintana
O
cenário continua o mesmo. Silencioso.
Por uma daquelas estradas, abertas entre mandacarus, macambiras
e favelas, pode surgir um andejo acompanhado de fiéis
seguidores, fugidios das secas e das injustiças do
mundo, carregando oratórios toscos, ladainhando antigas
cantigas que ecoam e se misturam ao "mear" das cabras.
Alguém os fotografou um dia, durante a terrível
seca de 1877, miseráveis, filhos do descaso.
Outros fotografariam as ruínas dos seus sonhos, dos
seus templos. Mas o cenário e os personagens continuam
os mesmos. O tempo não existe nessas paragens.
Se existisse, poderíamos dividir as fotografias de
Canudos em dois momentos: inicialmente com as imagens de Flávio
de Barros, feitas no final da guerra; depois, com os ensaios
realizados na Canudos reconstruída no início
do século.
Desta segunda Canudos, edificada por homens e mulheres que
vieram a epopéia do Bom Jesus Conselheiro, as imagens
começam a aparecer no cinquentenário do conflito,
em 1947, com as
fotografias de Pierre Verger.
O etnólogo e fotógrafo francês registrou
o vilarejo num domingo, dia de feira, acompanhado de Odorico
Tavares, na época repórter da revista "O
Cruzeiro".
Retratou, principalmente, os sobreviventes. São imagens
fortes, tensas. O tempo está riscado nas fendas das
faces, mas fugidio, erradio, nos olhares.
Alguns anos depois, durante a construção do
açude que afogaria as Canudos, muitos fotógrafos
visitaram o palco da tragédia sertaneja. Entre eles
Alfredo Vila-Flor (1964) e Jair Dantas (1968).
Alfredo registrou vários aspectos da vila. E, numa
síntese, entrelaçou os tempos canudenses na
fotografia de Manoelzão, sobrevivente do conflito,
com os pés andejos sobre as ruínas de um templo
destruído.
Outras ruínas seriam fotografadas por Jair Dantas.
Desta vez, os escombros da Canudos reconstruída. O
cenário abandonado, misturando ruínas antigas
e recentes que adormeceriam no silêncio lodoso do lago.
Em 1969 vieram as águas. E outros aventureiros das
imagens fizeram ensaios sobre o cenário e seus personagens,
herdeiros da memória do triste episódio.
Quase cem anos depois da guerra, em 1996, a seca provocou
o afloramento da ruinaria de Canudos.
E ficamos a fotografar estas ruínas recentes, templos
perdidos no tempo.
Claude
Santos é fotógrafo e pesquisador de imagens;
prepara "Guia Visual do Cenário da Guerra de Canudos".
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