O SUPERPADRE

Abolicionista precoce

da enviada especial a Portugal

Antônio Vieira nasceu em Lisboa, a 6 de fevereiro de 1608. Aos 6 anos veio para o Brasil, fixando-se na Bahia, onde o pai era funcionário da administração colonial. Fez os primeiros estudos no Colégio Jesuíta da Bahia. Conta-se que não era considerado aluno inteligente, até o dia em que teve forte dor de cabeça, que quase o levou à morte, causada pelo que o menino identificou como um "estalo" na cabeça. Depois disso, passou a entender tudo com facilidade. A isso se chamou o "estalo de Vieira".

Ingressou na Companhia de Jesus em 1623 e completou o noviciado em 1626. Desde então, passou a lecionar humanidades e retórica no Colégio de Pernambuco, retornando à Bahia para os estudos finais de filosofia e teologia, e ordenando-se sacerdote em 1634.

Como catequista membro da Companhia de Jesus, Vieira desempenhava a tradicional dupla função de intelectual religioso voltado para o ensino e de evangelizador, mensageiro do cristianismo, salvador de almas dos aborígenes.

Mas o jovem professor, logo ao estrear no púlpito como sacerdote, alcançaria fama de pregador eloquente e culto, cuja oratória fincava ali as raízes da formação literária brasileira ou seria uma das primeiras manifestações literárias da colônia.
Como evangelizador, o padre Vieira teve destacado papel de defensor dos índios contra a escravidão. Falando pelo menos sete idiomas nativos, o jesuíta embrenhou-se na selva amazônica, entre o Maranhão e o Pará, de 1652 a 1661, combatendo a negligência e o pouco escrúpulo dos oficiais da administração da colônia, que submetiam os índios a trabalhos forçados excessivos. Muitos deles fugiam para o interior ou morriam de fome.

A resistência dos senhores de escravos, que reclamavam da escassez da mão-de-obra, criou um clima de crescente animosidade contra o padre, que, embora considerado depois abolicionista precoce, antecipando a oposição burguesa contra o trabalho servil em geral, é até hoje acusado de ter sido conivente com a escravidão dos negros.

No período entre 1648-49, quando Portugal reconquistava Angola e São Tomé e Príncipe, é atribuída a Vieira, ativo embaixador da Restauração portuguesa junto ao inimigo europeu, a afirmação de que "todo o debate agora é sobre Angola, e é matéria em que não hão-de ceder, porque sem negros não há Pernambuco e sem Angola não há negros".

No ensaio intitulado "Aspectos Ideológicos do Padre Vieira", Otto Maria Carpeaux comenta esse aspecto da biografia do jesuíta:
"É verdade que o Padre Vieira não protestou contra a escravidão dos negros, apesar das frases grandiosas que encontrou para comparar ao inferno o engenho de açúcar, em que corpos pretos trabalham entre gemidos, em calor diabólico, ao fogo das máquinas cujo ruído ensurdece a noite e cuja fumaça ofende o céu ('Sermão 14º do Rosário', pregado à Irmandade dos Pretos, num engenho da Bahia, em 1633). Parece contradição essa insensibilidade retórica em face dos sofrimentos dos escravos pretos, porque Vieira passou a vida lutando contra a escravidão dos índios no Brasil, enfrentando a raiva das classe conservadoras da colônia".

O assunto controverso continua carecendo de investigação na obra vieiriana. O mais recente esforço nesse sentido é o livro "Uma Questão de Igualdade - Antônio Vieira e a Escravidão Negra na Bahia no Século 17", do historiador mineiro e branco Magno José Vilela.

O trabalho de Vilela recebeu em abril último o "Prêmio Internacional Antônio Vieira - Ensaio", promovido pela Academia de Letras da Bahia como parte das homenagens pelo tricentenário do jesuíta.

A obra de Vilela rebate a tese de Carpeaux, ao situar Vieira como um teólogo do século 17 que utiliza o princípio da "unidade adâmica, segundo a qual, se todos os homens nasceram de Adão, todos os homens são, por natureza, filhos de Deus, quer sejam negros, brancos ou índios".

O historiador disse à Folha que a igualdade pregada pelo jesuíta inclui os negros, "à medida que Vieira não só incluiu três sermões pregados aos negros na série do Rosário, como afirmou textualmente, inclusive sobre os negros, que a escravidão é uma violência do homem contra o homem e não um desígnio de Deus".

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