 02/09/2000 - 04h50 Bactéria também cura inflamação, diz pesquisador ISABEL GERHARDT, da Folha de S.Paulo Enquanto indústrias farmacêuticas buscam novos antibióticos, cientistas da Universidade Emory (EUA) decidiram remar contra a maré e investigar como certas bactérias evitam a inflamação do intestino. Com um objetivo paradoxal: usar microrganismos para tratar alguns tipos de infecção. O estudo, publicado na edição de ontem da revista "Science", revela que uma linhagem não-patogênica (que não causa doença) da bactéria Salmonella é capaz de bloquear a ação de uma proteína envolvida na ativação de genes que causam a inflamação. A descoberta, de acordo com Andrew Hobert, um dos autores do trabalho, pode auxiliar no desenvolvimento de probióticos -preparados com bactérias não-patogênicas usados como remédios para o tratamento de doenças inflamatórias do intestino. O trato gastrointestinal de seres humanos é local de convivência de bactérias pacíficas e de patógenos em potencial. Todos eles estão sob a "vigilância" de células do sistema de defesa, que podem detectar produtos bacterianos e iniciar um ataque contra os microrganismos patogênicos. Esse estado de vigilância resulta numa inflamação leve e contínua do intestino, que é regulada em resposta aos agentes nocivos. No entanto, até o momento, os cientistas desconheciam a razão de bactérias pacíficas não desencadearem uma resposta imunológica severa do intestino, como as bactérias tóxicas. Cascata O processo de inflamação do intestino envolve uma cascata de reações que começa com a ligação de produtos bacterianos, como polissacarídeos (tipo de açúcar), nas células do epitélio (tecido que cobre os órgãos e cavidades do corpo). Essa ligação ativa uma proteína que controla a ação de vários genes envolvidos no processo inflamatório. A novidade do estudo dos pesquisadores da Universidade Emory é que eles descobriram qual o mecanismo usado por bactérias não-patogênicas, como a "versão amigável" da Salmonella, para desativar a cascata de reações inflamatórias. A Salmonella não permite que a proteína responsável pela ativação dos genes da inflamação chegue ao núcleo da célula. Dessa forma, permanecendo no citoplasma, a proteína não pode se ligar a sequências específicas de DNA (que está no núcleo) e colocar os genes necessários em ação. Apesar de considerar o resultado fundamental na compreensão dos processos que levam a doenças como a colite ulcerativa -inflamação crônica intestinal-, Hobert afirma que ainda existem várias perguntas para serem respondidas antes de chegar a um tratamento. "Não sabemos quais produtos da Salmonella previnem a ação da proteína (ativadora dos genes de inflamação)", disse. "Também é preciso mostrar esses efeitos "in vivo" (em animais)." O estudo foi realizado com cultura de células de intestino humano. A descoberta de que bactérias podem interferir no processo inflamatório do intestino abre perspectivas para o desenvolvimento de agentes terapêuticos que venham a usar as próprias bactérias -os probióticos. Iogurte não é remédio De certa forma, isso já está presente no dia-a-dia de pessoas que consomem alimentos como o iogurte, rico em lactobacilos (outro grupo de bactérias benignas para o corpo humano). "Mas não dá para usar iogurte como forma de tratamento para as doenças inflamatórias do intestino", alerta Hobert. Segundo o pesquisador, uma das limitações ainda existentes para o desenvolvimento de probióticos é encontrar uma forma para proteger as bactérias da acidez do estômago. Hobert assinala que o mais interessante do estudo é mostrar que certas bactérias não só não causam inflamações como podem bloquear o processo. Leia mais notícias de ciência na Folha Online |
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