Segredos
do Poder
Malan sugeriu mostrar discurso ao FMI
27/05/1999
Editoria: BRASIL
Página: 1-6
FERNANDO RODRIGUES
da Sucursal de Brasília
ELVIRA LOBATO
da Sucursal do Rio
O ministro da Fazenda, Pedro Malan, pediu a André Lara Resende que
mostrasse os termos de um discurso de campanha do presidente Fernando
Henrique Cardoso ao FMI (Fundo Monetário Internacional). Esse pedido
consta de uma conversa captada pelo grampo do BNDES, gravada presumivelmente
entre os dias 19 e 23 de setembro do ano passado.
Lara Resende era na época o presidente do BNDES (Banco Nacional
de Desenvolvimento Econômico e Social). Seu telefone era um dos
alvos do grampo. Em conversa com Malan, ele discutia trechos de
um discurso importante que FHC veio a fazer no dia 23 de setembro,
numa cerimônia do Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações
Exteriores.
Não fica claro se Lara Resende atendeu o pedido de Malan. O ministro
foi procurado pela Folha, mas não deu resposta ao jornal. Preferiu
divulgar uma nota pública, admitindo ter entregue uma cópia do discurso
ao FMI, mas negando ter negociado os termos do texto. O Fundo negou
a negociação (leia textos abaixo e na pág. 1-7).
Além de sugerir a negociação do discurso com o FMI, Malan também
se refere à necessidade de fazer o mesmo com "o Tesouro". Nesse
caso, é o Departamento do Tesouro, o equivalente no governo dos
Estados Unidos ao Ministério da Fazenda brasileiro.
Na conversa captada pelo grampo, Malan pergunta se Lara Resende
iria "falar com o Stanley... com Fischer ainda hoje". Trata-se de
Stanley Fischer, diretor-gerente-adjunto do FMI.
Lara Resende confirma que sim: iria telefonar para Fischer. Então,
Malan diz o seguinte: "Eles estão, tanto o Fundo quanto o Tesouro,
dizendo, pedindo, assim, quase que dizendo: 'Nos deixem ler antes...'
Porque a idéia é que eles saiam com expressão de apoio. Eles querem
ter acesso antes... Para poder expressar apoio".
Lara Resende responde: "Eu vou ligar para ele agora e falar com
ele". E Malan: "É, liga...". Marco
O discurso de FHC foi considerado um marco na campanha eleitoral
da reeleição do tucano. O país sofria os efeitos da crise econômica
internacional, por causa da moratória da Rússia. Na TV, o PT acusava
o governo de esconder a crise.
No dia 23 de setembro, a 11 dias da eleição, FHC falou finalmente
sobre a crise. Apresentou um quadro de dificuldades, que exigiria
''sacrifícios'' da população. O presidente se mostrava determinado
a enfrentar os desafios.
Numa versão preliminar do discurso de FHC _Malan e Lara Resende
lêem trechos na conversa captada pelo grampo_, o presidente chegou
a escrever "se for necessário um acordo com o Fundo, o faremos".
"Não precisa dizer isso", disse Lara Resende a Malan. O ministro
respondeu: "O problema é que tem gente aqui que acha que precisa,
entende?".
Por sugestão de Malan, o presidente acabou atenuando a frase. O
termo "acordo" desapareceu. No discurso que leu no Itamaraty, FHC
usou a palavra "entendimento", considerada menos perigosa num período
pré-eleitoral.
Apesar do eufemismo usado no discurso, fica demonstrado na conversa
entre Malan e Lara Resende que o governo negociava mesmo um acordo
com o FMI.
Sobre essas negociações, que resultaram num acordo aprovado formalmente
pela diretoria do Fundo apenas em 2 de dezembro, Malan e Lara Resende
revelam dois detalhes relevantes.
Primeiro, que os representantes do FMI e de organismos internacionais,
e também a comunidade financeira internacional, estavam descontentes
com a postura brasileira de não baixar medidas corretivas durante
a crise econômica causada pela Rússia.
Lara Resende disse a Malan que já havia falado com Stanley Fischer
na noite anterior ao telefonema.
Naquela conversa, conforme o relato de Lara Resende, o diretor-gerente-adjunto
do FMI teria dito o seguinte: "Está todo mundo nervosíssimo e só
vocês brasileiros não estão".
Lara Resende deu a entender a Malan que Fischer disse a frase em
tom de reprimenda. Ao que o então presidente do BNDES teria respondido:
"Ô, Stan, nós temos uma alternativa?".
Um segundo detalhe que aparece nas gravações sobre as negociações
com o FMI confirma a grande resistência de Francisco Lopes, então
diretor do Banco Central, a um acordo formal do Brasil com o Fundo
Monetário Internacional.
"Olha, eu conversei com o Chico Lopes ontem... Extremamente resistente
a isso...
Extremamente resistente... Chico Lopes acha que isso (o acordo com
o FMI) é uma espécie assim de abrir mão de independência do Banco
Central. Que os caras vão chegar aqui, vão dizer isso, aquilo, aquilo,
dar palpite nisso, naquilo, tal", disse Lara Resende a Malan.
Em janeiro, Francisco Lopes veio a ocupar brevemente a presidência
do Banco Central.
Suas divergências com o FMI foram uma das razões para que perdesse
o cargo antes de assumi-lo oficialmente.
Leia mais
"Eles querem ter acesso antes..."
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