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26/01/2007
Carta da semana
Casa Limpa, rua suja...
“Quem já teve oportunidade de viajar para a Europa,
certamente, pôde comparar alguns hábitos e notar
que o brasileiro é bastante higiênico em comparação
a alguns povos de lá. No geral, as casas dos brasileiros,
por mais simples que sejam, costumam ser mais limpas e bem
cuidadas por dentro. Os utensílios de cozinha estão
sempre brilhando, o chão varrido, os panos alvejados,
etc.
Contudo, quem passeou por lá
pôde também notar nitidamente e sem muito esforço
que os espaços públicos lá fora são
geralmente mais bem cuidados. As fachadas são mais
bem acabadas, as ruas mais limpas, os jardins mais bem conservados,
enfim, tudo o que está fora de casa e o que é
comum a todos tem um bom aspecto. Seria apenas uma questão
de disponibilidade de recursos? Creio que não.
Aqui no Brasil, o cidadão cuida melhor de sua casa
do que dos espaços públicos talvez porque ele
não se sinta dono do que está além do
portão da sua casa. Como cuidar e zelar daquilo que
não é seu? Para o brasileiro, o que é
público não é seu, mas do Estado. E ele
não sente muita disposição para cuidar
das coisas que pertencem ao Estado, sobretudo quando este
é administrado por um governo que lhe nega qualquer
tipo de assistência, embora se paguem impostos; que
lhe subtrai recursos para salvar bancos de pouca importância
social; que cria novos impostos para aplicar na saúde
e não aplica, etc. Como o brasileiro vai cuidar daquilo
que "pertence" a quem ele sente que o lesa? A sujeira
das ruas estaria, neste sentido,
relacionada com a imoralidade política que presenciamos
no Brasil; seria um reflexo dela ou, em última instância,
seria a própria política sendo materializada
na forma de lixo.
Se por um lado a Educação
é um fator de diferenciação no comportamento
das pessoas, por outro, o poder aquisitivo não o é.
Sujar a rua não é um ato exclusivo dos cidadãos
menos favorecidos. É tão comum vermos cascas
de frutas sendo atiradas das janelas dos ônibus, quanto
apetrechos de fast-food sendo defenestrados de automóveis
novos. Assim, pobres, classe média e ricos, qualquer
um pode "contribuir" com a sujeira das ruas, na
medida em que qualquer um pode se sentir excluído do
processo social; seja por assistirem as CPIs acabando em pizza,
por assistirem ao patrimônio nacional ser vendido a
grupos estrangeiros a preço de "fim de feira",
deputados envolvidos com tráfico, corrupção
na política em todos os níveis, desde vereadores
até os mais altos escalões do governo federal,
seja ainda por não terem tido acesso a uma boa educação,
etc, (este parágrafo seria longo...).
Por isso é tão
difícil fazer com que as ruas permaneçam limpas,
os espaços públicos bem zelados, os muros sem
pichações (diferentemente da grafitagem que
pode ser artística, a pichação é
também uma manifestação visual de um
sentimento de exclusão). Não bastam serviços
eficientes de limpeza pública, ou campanhas educativas.
As ruas só serão tão limpas quanto as
os cidadãos passarem a se sentirem como participantes
do processo social e assim, co-proprietários do patrimônio
público. E para que isso ocorra há de haver
mudanças não só culturai,s mas estruturais,
sobretudo em nível político”,
Luis Antonio Bittar
Venturi, Itapecerica da Serra (SP) -
luisgeo@usp.br
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