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A Vila
Madalena, assim como uns poucos bairros de SP, está
mais próxima de Manhattan do que da Cidade Tiradentes
As disparidades de São Paulo estão resumidas
em dois bairros que se chamam, coincidentemente, Itaim.
No Itaim Bibi, na zona oeste, 80% dos moradores entre 25 e
34 anos formaram-se no ensino superior. É uma espécie
de ilha da fantasia, quando comparado ao Itaim Paulista, rodeado
de pobreza da zona leste, onde, naquela faixa etária,
10% têm diploma universitário.
Mais do que a escolaridade para conseguir bons empregos, pesam
os hábitos culturais. No Bibi, quase todos aqueles
adultos lêem jornais, revistas e acessam a internet
diariamente.
Na distância entre as duas regiões Itaim, o Bibi
e o Paulista, encontra-se o mais difícil (e o mais
importante) desafio da cidade: descentralizar o conhecimento
e os empregos.
Como demonstra a pesquisa Datafolha publicada hoje, intitulada
DNA Paulistano -agora com foco na zona oeste-, há,
na cidade, "ilhas da fantasia". Nelas, mora uma
ínfima elite, cercada de realidade de todos os lados,
ou melhor, cercada de São Paulo por todos os lados.
Aquilo que se diz de Brasília, onde morei por 13 anos,
encontramos com precisão em São Paulo -aliás,
continuo numa ilha da fantasia, tão distante da realidade
como o plano-piloto.
Quando estou em Manhattan, sinto-me tão em casa como
na Vila Madalena, os dois locais onde trabalhei nos últimos
11 anos.
Apenas um sinal: se você entrar na Livraria da Vila
encontrará cenas estranhas como uma lista de mais vendidos
quase sem livros de auto-ajuda. Ou, mais estranho ainda nos
tempos atuais, uma vendedora que relata, com prazer e profundidade,
sobre alguns dos livros recém-lançados. É
o caso de Cida Saldanha, cuja opinião é capaz
de influenciar, na hora da compra, tanto ou mais do que a
resenha de um crítico. Vai também ver que o
pessoal que serve o café escreve diariamente numa lousa
pensamentos de escritores.
Na lógica da cidade partida, a Vila, assim como uns
poucos bairros, especialmente na zona oeste, está muito
mais próxima de Manhattan do que da Cidade Tiradentes.
Ou seja, tão longe de São Paulo. Mas a novidade
não são as linhas de exclusão provocadas
pela disparidade de conhecimento, mas um consenso que começa
a se montar em torno de uma ousada solução.
É um projeto muito mais ambicioso do que as ações
destinadas a revigorar a região central como a cracolândia.
Vamos reconhecer, aliás, que, graças à
ação dos últimos prefeitos e dos investimentos
culturais, o centro está ganhando vida, atraindo empresas
e, em especial, faculdades. Mas é pouco.
O projeto mais ousado para enfrentar a lógica da cidade
partida faz parte, há muito tempo, dos sonhos de alguns
urbanistas: reciclar a orla ferroviária. Esse tipo
de visão faz do Rodoanel, tão esperado, algo
simples e com baixo impacto.
A boa notícia é que começa a fazer parte
dos planos dos candidatos. Com os cofres mais cheios, os governos
federal, estadual e municipal conseguem tirar esse tipo de
projeto da dimensão do delírio.
Os planos da orla ferroviária alteram-se nos detalhes
dependendo do urbanista, mas, em essência, o que se
pretende é transformar as áreas abandonadas
em torno da linha do trem, onde antes trafegava a riqueza
das indústrias, em zonas mistas de negócios
e moradia.
É uma operação retorno, trazendo a população
da periferia, que mora longe do trabalho.
O grande atrativo é óbvio: já existe
na orla transporte público em cima de trilhos. Seria,
então, um mecanismo para descentralizar o emprego e
melhorar a habitação.
O urbanista Candido Malta está realizando estudo para
o governo estadual que, entre outras coisas, foca no repovoamento
desses espaços.
Segundo seus cálculos, só na cidade de São
Paulo haveria, em torno dos trilhos, uma área do tamanho
de Santos a ser conquistada. A idéia é abranger
toda a região metropolitana e envolver um consórcio
de prefeituras. "É uma nova fronteira a ser explorada",
anima-se Candido.
Na verdade, é a maior fronteira urbana a ser explorada
no Brasil -é uma tarefa para muitos governos federais,
estaduais e municipais. Para atrair empresas, seriam necessários,
além de obras de infra-estrutura, incentivos fiscais.
Nesse projeto de operação retorno, estaria
uma chance de conectar a cidade partida -e lugares como Vila
Madalena, Jardins ou Itaim Bibi poderiam ficar mais próximos
de São Paulo do que de Manhattan.
PS - Para visualizar o que estou falando sobre orla ferroviária,
observe os prédios que surgiram na Água Branca,
atraindo os mais diferentes tipos de negócios -e, agora,
chegam shoppings de luxo. Observe também o que se passa
na Vila Leopoldina, também ladeando o trilho do trem,
batizada da Vila
Mídia, por estar atraindo inúmeras empresas
de publicidade e audiovisual que estão ocupando galpões
industriais abandonados. Se quiser fantasiar, imagine o que
seria esse tipo de empreendimento espalhado em 130 quilômetros
de ferrovia que cortam a região metropolitana. Isso
é pensar grande uma cidade.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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