Numa pequena casa da rua Otonis, na Vila Mariana, indivíduos recebem
tratamento para combater um mal real provocado por um vício
virtual: a dependência de internet. Por trás
dessa experiência está o psiquiatra Dartiu Xavier,
coordenador do Proad (Programa de Orientação
e Atendimento a Dependentes), da Universidade Federal de São
Paulo.
Na década de 80, Dartiu fazia pós-graduação
em dependência química em Paris, onde acompanhava
testes com drogados. Via projetos, ainda muito mais polêmicos
na época, de distribuição de seringas
para evitar a propagação do HIV e de substituição
de cocaína ou heroína por drogas mais leves.
É o que se chama de redução de danos.
Ao voltar para o Brasil, Dartiu estava entusiasmado com programas
de redução de danos e cercou-se de psiquiatras,
psicólogos e assistentes sociais. A casa da Vila Mariana,
na vizinhança da Universidade Federal de São
Paulo, virou um laboratório para cuidar de dependentes
químicos. A cidade vivia a epidemia do crack. "Era
um terror", lembra. Do terror nasceu uma experiência
que percorreria círculos acadêmicos mundiais:
meninos e meninas, todos com acompanhamento terapêutico,
se dispuseram a trocar o crack pela maconha. Para surpresa
dos pesquisadores, muitos daqueles adolescentes largaram o
crack e, depois, também a maconha.
Esse tipo de resultado estimulou o governo federal a lançar
projeto neste mês para criação de salas
de redução de danos, em que dependentes recebem,
legalmente, drogas mais leves.
Desde os primeiros tempos do crack, aquele laboratório
teve mudança de clientes. Além dos drogados,
passaram a chegar pessoas com problemas em jogo, sexo e compras.
Vieram agora os internautas que, entregues à obsessão
virtual, perderam emprego ou começaram a ter sérios
problemas familiares. "Achamos que deveríamos
encarar os internautas do mesmo jeito que encaramos dependentes
de drogas."
Os primeiros resultados, ainda bem preliminares, indicam
que a matriz da dependência dos internautas é
a mesma dos demais viciados: uma dor a ser aliviada de algum
jeito." O pior caminho é punir a vítima,
fazendo-a sentir-se culpada ou criminosa pela sua doença",
analisa. Tirando a culpa de lado, o caminho continua difícil,
mas, segundo ele, já é possível encontrar
saída.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.
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