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REFLEXÃO


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folha de s. paulo
08/08/2004
0800-156315: o número da inteligência comunitária

Na semana passada, dois gerentes do HSBC estavam prestes a serem seqüestrados em Bertioga, no litoral de São Paulo. Foram salvos graças a uma ligação para o número 0800-156315, em que policiais foram avisados do provável crime: os seqüestradores foram presos antes que tivessem êxito.

Lançado em 2000, o Disque-Denúncia levou à identificação de 37 cativeiros. Segundo especialistas, a linha direta ajudou a soltar reféns, a desbaratar quadrilhas e a inibir mais seqüestros devido à maior dificuldade de manter os esconderijos. É uma das explicações, além da maior movimentação policial provocada pelo pânico da opinião pública, para a redução do número de seqüestros em São Paulo.

O número de seqüestros caiu, mas continua alto - na semana passada, para o desespero dos pais, crianças foram seqüestradas quando voltavam da escola. Certamente, porém, sem o recurso telefônico o que já é horrível estaria pior ainda.
O que importa, neste ano eleitoral, é ver o Disque-Denúncia não só um como instrumento de segurança, mas como um modelo de engenhosidade, capaz de inspirar os prefeitos em quase todas as áreas administrativas.
É um extraordinário caso de engenharia comunitária.

O Disque-Denúncia nasceu graças à parceria de universidades, empresários, mídia e ONGs, que, diante do crescimento da violência, criaram o Instituto São Paulo contra a Violência. Sua missão é propor alternativas para melhorar a segurança.
Num país sem o costume de fazer parcerias entre municípios, eles montaram um fórum metropolitano de prefeitos para que se tecessem políticas coordenadas contra a criminalidade. Entre as várias idéias, surgiu a linha direta de telefone para estimular o cidadão a denunciar crimes ou mesmo ações suspeitas.

Como o Disque-Denúncia é um serviço da sociedade civil, os denunciantes se sentiram menos receosos de serem descobertos. "Pudemos, com isso, ganhar a confiança das pessoas", afirma o cientista político Paulo Mesquita, coordenador do instituto. Eles recebem, diariamente, cerca de 400 ligações com informações que vão da violência doméstica ao tráfico de drogas.

Uma vez transmitida, a informação é repassada à polícia. O instituto cobra providências e o denunciante recebe uma senha por meio da qual pode acompanhar o andamento do caso e saber se algo foi feito.

Além da parceria óbvia com o governo estadual, as prefeituras ofereceram, como na cidade de São Paulo, espaço publicitário nos ônibus para a divulgação do número; a mídia ajudou gratuitamente a popularizá-lo. Ou seja, todas as esferas do poder de uma comunidade se envolveram voltadas para o mesmo foco. É natural que os resultados venham sendo positivos.

Quem leva a sério os debates nessas eleições e não se impressiona com as genialidades publicitárias sabe ou deveria saber o seguinte: um dos principais atributos de um prefeito é conseguir tecer alianças permanentes, aumentando a eficiência de suas ações e reduzindo desperdícios.

É impossível fazer uma boa administração em regiões metropolitanas (que, a rigor, compõem uma única cidade) sem um acerto permanente com as prefeituras, atreladas às ações estaduais, federais e comunitárias. No debate da TV Bandeirantes entre os candidatos à Prefeitura de São Paulo, na quinta-feira, nada se falou sobre esse tipo óbvio de solução.

O que se fez de mais consistente na gestão de Marta Suplicy, por exemplo, foram as ações que integram vários níveis de poder, como os programas de renda mínima e a recuperação do centro da cidade. Duvido que, seja qual for o prefeito eleito, se venha a alterar esse tipo de ação coordenada.

Por isso digo que a melhor idéia nessa sucessão, até agora, veio do ex-prefeito e ministro da Fazenda, Antônio Palocci, para quem deveria existir, pelo menos nas grandes cidades, um comitê formado por representantes dos governos federal, estadual e municipal. Todos os investimentos e programas seriam combinados nesses comitês.

Se não forem montadas as redes, é melhor criar outro tipo de linha direta -apenas para denunciar o desperdício de recursos públicos. O problema é esta ficar congestionada -e não funcionar, virando ela própria um exemplo de desperdício.

PS - Quem está preocupado com a questão da violência deve ficar atento a números prestes a serem publicados sobre uma experiência operada em Diadema, acompanhada por renomados pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo. Lá, nestes últimos dois anos, foram feitas investidas contra os bares, limitando seu funcionamento de noite. A taxa de homicídios teve notável queda. "É uma das mais importantes experiências realizadas no Brasil, que mostra como reduzir a violência. Por isso está tendo acompanhamento mundial", diz o psiquiatra Ronaldo Laranjeira, coordenador da Unidade de Álcool e Droga da Universidade Federal de São Paulo.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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