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REFLEXÃO


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folha de s.paulo
09/01/2005
Férias inesquecíveis

.A descoberta de que 15 adolescentes amigos de um dos filhos do presidente Lula transformaram o Palácio do Alvorada em colônia de férias paga pelo contribuinte virou, na semana passada, foco de irritação em todo o país.

Por que um episódio insignificante, ocorrido em julho do ano passado, ganhou ares de escândalo nacional? Simples: tem diminuído a tolerância com mazelas e sinais de deslumbramento oficiais, por menores que sejam.

Se a colônia de férias do Alvorada pode até ser insignificante, a reação ao episódio não o é. Vejamos algumas notícias divulgadas na primeira semana do ano, todas capazes de mexer com o humor do brasileiro.

Somos informados de que o governo resolveu aumentar impostos de micro e pequenos empresários prestadores de serviços, o que afeta centenas de milhares de cidadãos de classe média para baixo. São pessoas que lutam para se manter na formalidade, pagam seus impostos e se recusam a trabalhar na clandestinidade.

O presidente da OAB-SP, Luiz Flávio Borges D'Urso, em entrevista ao jornal "O Globo", reclamou do aumento de impostos, ostentando dados espantosos. Segundo ele, nada além de 3% da arrecadação tributária federal converte-se em investimentos. Os 97% restantes, segundo seus cálculos, são drenados para os juros da dívida e para sustentar a máquina estatal.

Gosto sempre de repetir nesta coluna que um trabalhador de classe média -esse mesmo que o presidente quer tungar ainda mais- trabalha quase quatro meses por ano apenas para o governo. Vejamos mais notícias da semana sobre como é gasto o dinheiro arrecadado.

Soubemos na quarta-feira, graças a uma reportagem da jornalista Marta Salomon, da Folha, que o governo federal gastou, no ano passado, mais com o "AeroLula", o novo avião presidencial, do que em saneamento ambiental urbano. É bom lembrar, se é que alguém não sabe, que esse tipo de investimento é importante para a saúde dos habitantes das cidades.

Se forem calculadas as despesas com a renovação da frota de aviões do governo, incluindo o "AeroLula", chega-se ao valor de mais da metade dos gastos com as rodovias federais.

Outra reportagem da Folha, no dia seguinte, informou que apenas 1% das metas do Programa Primeiro Emprego, uma das principais promessas de campanha de Lula, foram atingidas. Prometeram-se 250 mil empregos, mas apenas 2.585 jovens conseguiram uma vaga. O programa usou menos de 20% do orçamento que lhe foi destinado no ano passado.

É mais um fato a exibir a dificuldade de gerência das ações sociais do governo Lula. Já tínhamos visto o desastre da gestão dos programas de renda mínima; chegaram a ponto de não mais fiscalizar se as crianças iam à escola, a contrapartida para a obtenção da bolsa. Para justificarem a prioridade ao Fome Zero, falaram em até 45 milhões de famintos. Veio, então, uma pesquisa do IBGE que apontava um número muito menor de pessoas nessa condição. Em vez de comemorar a boa notícia, Lula preferiu, para não perder a bandeira de marketing, queixar-se da pesquisa.

Trabalham-se quase quatro meses para o governo e a primeira notícia do ano é o aumento de impostos. Verbas sociais são desperdiçadas. Quase nada do dinheiro arrecadado vai para novos investimentos. Alguns dos investimentos são do tipo "AeroLula". Vivemos em cidades violentas, congestionadas, onde as escolas e os hospitais são ruins e crianças pedem esmolas em cada esquina. Em São Paulo, por exemplo, as ruas estão esburacadas -seu pavimento está repleto de verdadeiras (sem exagero) crateras- e as enchentes começam, nesta primeira semana de 2005, a inundar a cidade, como ocorreu mais uma vez na sexta-feira. O milionário túnel da avenida Rebouças, recém-construído, teve de ser fechado por causa das águas.

A reação ao episódio da colônia de férias dos ingênuos jovens que aproveitavam os prazeres oficiais da família Lula da Silva pode até ser exagerada, mas é forçoso concordar que é, no mínimo, compreensível; aquela diversão tem involuntariamente um suave toque de deboche de "ilha da fantasia". O fato político relevante, que muitos poderosos e seus familiares ainda não perceberam, é a crescente consciência de como é usado (e mal usado) o dinheiro público no Brasil. Daí que, pode apostar, na próxima sucessão, vai falar-se menos sobre em que gastar o dinheiro, afinal não é novidade pregar o combate à miséria, do que sobre como gastá-lo.

Por isso aquelas férias do Alvorada serão inesquecíveis.

PS - Na minha avaliação, Lula, na média, não está indo mal, haja vista os indicadores econômicos e a aprovação de algumas reformas no Congresso. Se conseguisse na área social o desempenho que, apesar de todos os percalços, está mostrando na área econômica, ganharíamos muitos anos no combate à pobreza.

Coluna originalmente publicada na Folha de S. Paulo, na editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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