O estacionamento
é coberto com uma lona, e lá se vendem produtos
de artesanato feitos por moradores de rua
Érika Mota realizou uma original combinação
de cursos universitários -e acabou ajudando a reinventar,
na cidade de São Paulo, a função dos
estacionamentos de carros. Tudo começou com seu encanto
com peças de arte e utensílios domésticos
desenvolvidos por moradores de rua, com materiais reciclados.
Ela ficava impressionada ao ver como indivíduos vivendo
no extremo da marginalidade transformavam-se naqueles instantes
em que se sentiam autores. Decidiu, então, cursar artes
plásticas.
Érika mergulhou numa rota marginal e entrou em contato
com prostitutas, carroceiros, jovens presos na Febem, mendigos,
tentando ajudá-los, com o que aprendia na faculdade,
a aprimorar sua criatividade. "Logo percebi que meus
conhecimentos eram insuficientes." Faltava-lhe saber,
entre outras coisas, como entender e dialogar com aquela população.
Foi aí que começou a estudar serviço
social na PUC.
Nessa combinação de cursos, Érika fez,
por acaso, dos estacionamentos um espaço experimental.
Chamada por uma rede de estacionamentos (Estapar) para desenvolver
uma ação social, Érika lançou
um programa para que moradores de rua ganhassem dinheiro lavando
carro. Como sabia que existia, na cidade, uma série
de iniciativas de arte-educação para a população
marginalizada, ela imaginou que poderia usar estacionamentos
como área de exposição desses produtos
e, assim, gerar renda. Só que havia um obstáculo
nada desprezível: os carros. Deu certo.
É o que ocorre, por exemplo, em um estacionamento da
avenida Paulista que, aos domingos, é batizado de "shopping
circo". Cobre-se a área com uma lona, sugerindo
um circo, para a venda dos mais diversos produtos de artesanato,
entre os quais os feitos pelos moradores de rua, por prostitutas
e jovens da periferia.
Vende-se, por exemplo, toda uma linha de produtos feita de
pneus velhos. São camas, cadeiras, sofás, vasos,
que, além de durabilidade, têm baixo preço,
porque, afinal, a matéria-prima é abundante
e gratuita. "Fornecemos a eles consultoria para que seus
produtos sejam vendáveis." O problema é
que, muitas vezes, são mesmo vendáveis.
Como a experiência vem sendo realizada em mais espaços
abertos por aquela empresa, notou-se a dificuldade de manter
uma regularidade na produção. Só depende
de resolver essa trava para o programa se expandir. Érika
foi convidada a ajudar nos programas sociais do sindicato
dos estacionamentos, o que significaria, pelo menos em tese,
mais mil áreas para o desenvolvimento de atividade
de geração de renda. "Em dezembro passado,
por causa do período das festas, as vendas foram muito
boas. E, agora, quase não tem mais nada para repor."
Essa vulnerabilidade demanda cursos de formação
empreendedora e de gestão empresarial.
O que não é fácil, levando-se em conta
a escolaridade daqueles artesãos. Mas não é
impossível. Neste momento, aqueles moradores de rua
treinados para lavar carro nos estacionamentos estão
criando uma cooperativa para atender ao crescente número
de pedidos -cada um deles já consegue ganhar mais de
dois salários mínimos por mês.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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