REFLEXÃO


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folha de s.paulo
14/04/2008

Comunicadores do futuro

Os pedagogos sabem que o estudante aprende melhor quando traduz a informação em seu próprio cotidiano


Adolescentes se reuniram num teatro em São Paulo, na segunda-feira passada, para contar como a mídia mudou a vida deles. Não falaram como ouvintes, leitores ou telespectadores. Eram todos comunicadores experimentais, e sua visão do mundo (e de si próprios) passou a ser influenciada pela produção de notícias.

Não participaram dessas experiências necessariamente para seguir carreira em comunicação, mas, em essência, para se encantarem com o prazer da descoberta de novidades e poder divulgá-las usando o rádio, a televisão, o jornal e a internet. Deixei o encontro convencido de que esses estudantes de São Paulo, do Rio, de Belo Horizonte, de Salvador e de Fortaleza poderiam ensinar aos professores como estudar pode ser mais interessante. Já seria uma aula e tanto, mas nada parecido em novidade com a lição que, talvez, consigam dar aos jornalistas.

Há uma chance de que tenham uma dica para ajudar os jornalistas a atrair a atenção dos jovens para as notícias, um dos grandes desafios da mídia em todo o mundo.

Eles não estavam reunidos para ensinar jornalistas a atrair leitores jovens, mas para relatar como o fato de produzirem notícias deixou-os diferentes. Sentem-se mais atentos e curiosos. Todos são de comunidades populares, vindos de escolas públicas de péssima qualidade; alguns deles não esconderam que detestavam estudar. A certeza de que estavam sendo sinceros sobre a evolução de seu desempenho nos estudos era visível pela fluência e pela precisão de suas falas, complexas, sem erros de português e com riqueza de vocabulário.

Em meio a seus depoimentos, eles revelaram que se tornaram mais interessados em ler e entender notícias, distanciando-se da imensa maioria de seus colegas.

Promovido pelo Unicef, aquele encontro tinha o propósito oficial de lançar em regiões metropolitanas um programa experimental em que jovens vão aprender a investigar e divulgar, usando os recursos da mídia, suas comunidades, a começar das escolas. A idéia é que se tornem construtores de capital social, a riqueza que surge da capacidade de os indivíduos se comunicarem e aceitarem desafios conjuntos.

Uma apuração feita pelo Ministério da Educação, divulgada no mês passado, mostrou que um dos segredos de escolas públicas, que, apesar de todas as dificuldades, vão bem é o capital social -essa habilidade associativa é também uma das estratégias para enfrentar a violência.

Para ser protagonista, é preciso conhecer sua realidade e saber se expressar, o que estimula o aprendizado da língua. As aulas de geografia e história não serão mais um amontoado de datas e fatos desconexos, mas informações que permitem entender melhor o dia-a-dia. As fórmulas de ciência serão instrumentos para compreender problemas como a deterioração do ambiente ou as doenças que infestam as comunidades pobres.

O grupo no teatro só estava lá para dizer, com a vivacidade de suas falas, que tudo isso não é teoria. Aqueles jovens estavam lá para dizer que pode existir uma nova linguagem a ser criada, na qual se mesclam educação e comunicação -esse campo de investigação, ainda incipiente no Brasil, é batizado nos meios acadêmicos de educomunicação.

A tecnologia de informação é apenas um detalhe -um mural com cartazes pode ser tão ou mais eficiente do que um site de última geração, com límpidos vídeos.

Justamente por isso, o anúncio feito, na semana passada, em Brasília, de que as operadoras vão colocar banda larga em todas as escolas deve ser visto com cautela. O acesso à internet, por si só, não é suficiente para que os alunos se tornem bons leitores. As bibliotecas, muito mais antigas nos colégios, são pouco usadas -não só porque estão, muitas vezes, fechadas ou defasadas mas também porque não têm intermediadores de leitura. É sabido como há inúmeros laboratórios de informática também fechados.

A tradução da fala dos jovens naquele encontro é a seguinte: o que os seduz é a possibilidade não só de conhecer a sua realidade, mas de transformá-la e deixar nela uma marca pessoal.

Os pedagogos sabem, há muito tempo, que o estudante aprende melhor quando traduz a informação em seu cotidiano. Aqueles jovens estão dizendo que se vai mais longe quando essa tradução significa interagir com a realidade, gerando redes de colaboração na produção de conhecimento -aprender as artes da comunicação é um mecanismo de seleção do que é relevante. Não faltam pesquisas mostrando que, se os adolescentes reverenciam a abundância de informações facilitada pela era digital, eles demandam cada vez mecanismos de seleção.

Pode parecer estranho tanto aos professores como aos jornalistas, mas os jovens estão dando a dica de que, na era da interatividade, serão melhores alunos e leitores se as escolas se tornarem um pouco parecidas com as Redações, e as Redações se tornarem um pouco parecidas com as escolas. Enfim, se eles se sentirem também um pouco comunicadores e professores.

PS - Em 2006, a Prefeitura de Niterói decidiu convidar alunos de 21 escolas municipais a desenvolver projetos com todas as mídias) o programa foi tocado pela entidade "Bem TV". No começo do mês, saiu a avaliação. Deu-se especial atenção a alunos mais desmotivados. Avaliação da experiência feita por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense, concluída no início do mês: queda de 37% no índice de repetência. Coloquei neste link o detalhamento do programa.

veja mais:
Experiências que utilizam a educação por meio da comunicação

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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