Os pedagogos
sabem que o estudante aprende melhor quando traduz a informação
em seu próprio cotidiano
Adolescentes se reuniram num teatro em São Paulo, na
segunda-feira passada, para contar como a mídia mudou
a vida deles. Não falaram como ouvintes, leitores ou
telespectadores. Eram todos comunicadores experimentais, e
sua visão do mundo (e de si próprios) passou
a ser influenciada pela produção de notícias.
Não participaram dessas experiências necessariamente
para seguir carreira em comunicação, mas, em
essência, para se encantarem com o prazer da descoberta
de novidades e poder divulgá-las usando o rádio,
a televisão, o jornal e a internet. Deixei o encontro
convencido de que esses estudantes de São Paulo, do
Rio, de Belo Horizonte, de Salvador e de Fortaleza poderiam
ensinar aos professores como estudar pode ser mais interessante.
Já seria uma aula e tanto, mas nada parecido em novidade
com a lição que, talvez, consigam dar aos jornalistas.
Há uma chance de que tenham uma dica para ajudar os
jornalistas a atrair a atenção dos jovens para
as notícias, um dos grandes desafios da mídia
em todo o mundo.
Eles não estavam reunidos para ensinar jornalistas
a atrair leitores jovens, mas para relatar como o fato de
produzirem notícias deixou-os diferentes. Sentem-se
mais atentos e curiosos. Todos são de comunidades populares,
vindos de escolas públicas de péssima qualidade;
alguns deles não esconderam que detestavam estudar.
A certeza de que estavam sendo sinceros sobre a evolução
de seu desempenho nos estudos era visível pela fluência
e pela precisão de suas falas, complexas, sem erros
de português e com riqueza de vocabulário.
Em meio a seus depoimentos, eles revelaram que se tornaram
mais interessados em ler e entender notícias, distanciando-se
da imensa maioria de seus colegas.
Promovido pelo Unicef, aquele encontro tinha o propósito
oficial de lançar em regiões metropolitanas
um programa experimental em que jovens vão aprender
a investigar e divulgar, usando os recursos da mídia,
suas comunidades, a começar das escolas. A idéia
é que se tornem construtores de capital social, a riqueza
que surge da capacidade de os indivíduos se comunicarem
e aceitarem desafios conjuntos.
Uma apuração feita pelo Ministério da
Educação, divulgada no mês passado, mostrou
que um dos segredos de escolas públicas, que, apesar
de todas as dificuldades, vão bem é o capital
social -essa habilidade associativa é também
uma das estratégias para enfrentar a violência.
Para ser protagonista, é preciso conhecer sua realidade
e saber se expressar, o que estimula o aprendizado da língua.
As aulas de geografia e história não serão
mais um amontoado de datas e fatos desconexos, mas informações
que permitem entender melhor o dia-a-dia. As fórmulas
de ciência serão instrumentos para compreender
problemas como a deterioração do ambiente ou
as doenças que infestam as comunidades pobres.
O grupo no teatro só estava lá para dizer, com
a vivacidade de suas falas, que tudo isso não é
teoria. Aqueles jovens estavam lá para dizer que pode
existir uma nova linguagem a ser criada, na qual se mesclam
educação e comunicação -esse campo
de investigação, ainda incipiente no Brasil,
é batizado nos meios acadêmicos de educomunicação.
A tecnologia de informação é apenas
um detalhe -um mural com cartazes pode ser tão ou mais
eficiente do que um site de última geração,
com límpidos vídeos.
Justamente por isso, o anúncio feito, na semana passada,
em Brasília, de que as operadoras vão colocar
banda larga em todas as escolas deve ser visto com cautela.
O acesso à internet, por si só, não é
suficiente para que os alunos se tornem bons leitores. As
bibliotecas, muito mais antigas nos colégios, são
pouco usadas -não só porque estão, muitas
vezes, fechadas ou defasadas mas também porque não
têm intermediadores de leitura. É sabido como
há inúmeros laboratórios de informática
também fechados.
A tradução da fala dos jovens naquele encontro
é a seguinte: o que os seduz é a possibilidade
não só de conhecer a sua realidade, mas de transformá-la
e deixar nela uma marca pessoal.
Os pedagogos sabem, há muito tempo, que o estudante
aprende melhor quando traduz a informação em
seu cotidiano. Aqueles jovens estão dizendo que se
vai mais longe quando essa tradução significa
interagir com a realidade, gerando redes de colaboração
na produção de conhecimento -aprender as artes
da comunicação é um mecanismo de seleção
do que é relevante. Não faltam pesquisas mostrando
que, se os adolescentes reverenciam a abundância de
informações facilitada pela era digital, eles
demandam cada vez mecanismos de seleção.
Pode parecer estranho tanto aos professores como aos jornalistas,
mas os jovens estão dando a dica de que, na era da
interatividade, serão melhores alunos e leitores se
as escolas se tornarem um pouco parecidas com as Redações,
e as Redações se tornarem um pouco parecidas
com as escolas. Enfim, se eles se sentirem também um
pouco comunicadores e professores.
PS - Em 2006, a Prefeitura de Niterói decidiu convidar
alunos de 21 escolas municipais a desenvolver projetos com
todas as mídias) o programa foi tocado pela entidade
"Bem TV". No começo do mês, saiu a
avaliação. Deu-se especial atenção
a alunos mais desmotivados. Avaliação da experiência
feita por pesquisadores da Universidade Federal Fluminense,
concluída no início do mês: queda de 37%
no índice de repetência. Coloquei neste
link o detalhamento do programa.
veja mais:
Experiências
que utilizam a educação por meio da comunicação
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria
Cotidiano.
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