REFLEXÃO


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urbanidade
26/03/2008

Parque de diversões

Walter imaginou a elite brasileira admirando do alto o parque florido, destacando-se da mancha cinza de prédios


Walter Torre gostava de jogar futebol num parque próximo da sua escola, no Itaim. Era um prazer que ganhava um toque clandestino quando as partidas ocorriam durante o horário das aulas. "Digamos que eu desenvolvia minhas próprias atividades extracurriculares", brinca.

Matar as aulas pode não ter feito dele um aluno exemplar, mas não atrapalhou sua vida profissional -a melhor prova disso é o dinheiro que Walter está gastando agora, tanto tempo depois das peladas, apenas para cuidar daquele terreno. A primeira parte das obras será entregue na próxima sexta-feira.

Quando começou a erguer um empreendimento na avenida Juscelino Kubitschek, ele olhou, do alto, no esqueleto do prédio, o campo de futebol em que se divertia na adolescência. "Estava horrível, dava pena", lembra.

O campo de futebol integrava o Parque do Povo, uma área pública loteada irregularmente para atividades esportivas. Famílias aproveitaram para erguer suas casas no terreno de 150 mil metros quadrados naquela que é uma das regiões mais nobres da cidade. Imaginavam-se donas do terreno e, por estarem lá havia muito tempo, apostavam numa futura vitória em batalhas jurídicas. Não conseguiram resistir à pressão da prefeitura e tiveram de procurar outro lugar para morar; os agenciadores das partidas perderam suas fontes de renda.

O poder público, porém, não dispunha de dinheiro para revitalizar a área. O secretário municipal de Coordenação das Subprefeituras, Andrea Matarazzo, foi em busca dos patrocinadores mais óbvios -os empresários que têm negócios nas cercanias do Parque do Povo.

O mais óbvio deles era Walter, cujo empreendimento prevê a construção de um shopping center, de torres de escritórios e de um hotel de luxo, talvez o Ritz, da França. "Tomei um susto porque ele topou o patrocínio em menos de 15 minutos", conta Matarazzo.

Com 20 anos de experiência como construtor, Walter percebeu que estava diante de um bom negócio -a recuperação do parque valorizaria a paisagem de seu empreendimento. Os hóspedes do hotel teriam à sua disposição, por exemplo, um amplo espaço para exercícios físicos.

Como a área fica na rota dos aviões e dos helicópteros, imaginou a elite brasileira admirando do alto o parque florido, destacando-se da mancha cinza de prédios. Mais um lance de marketing. "Comecei a viajar", conta. Nessa viagem, ele foi imaginando a combinação das cores. Pedia mais árvores, algumas delas caras, para a felicidade dos paisagistas do parque, que estavam sem recursos. "Nem sabia mais quanto estava gastando."

Walter estima gastar R$ 9 milhões, mas já não está tão certo da relação entre custo e benefício de seu investimento em um parque público -a Lei Cidade Limpa limita a propaganda no terreno. É possível que tenha feito as contas não com a fria lógica do empresário, mas com as memórias do adolescente que se divertia nas partidas de futebol. Se ser dono da bola já é um privilégio, imagine sentir-se também um pouco dono do campo.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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