Walter
imaginou a elite brasileira admirando do alto o parque florido,
destacando-se da mancha cinza de prédios
Walter Torre gostava de jogar futebol num parque próximo
da sua escola, no Itaim. Era um prazer que ganhava um toque
clandestino quando as partidas ocorriam durante o horário
das aulas. "Digamos que eu desenvolvia minhas próprias
atividades extracurriculares", brinca.
Matar as aulas pode não ter feito dele um aluno exemplar,
mas não atrapalhou sua vida profissional -a melhor
prova disso é o dinheiro que Walter está gastando
agora, tanto tempo depois das peladas, apenas para cuidar
daquele terreno. A primeira parte das obras será entregue
na próxima sexta-feira.
Quando começou a erguer um empreendimento na avenida
Juscelino Kubitschek, ele olhou, do alto, no esqueleto do
prédio, o campo de futebol em que se divertia na adolescência.
"Estava horrível, dava pena", lembra.
O campo de futebol integrava o Parque do Povo, uma área
pública loteada irregularmente para atividades esportivas.
Famílias aproveitaram para erguer suas casas no terreno
de 150 mil metros quadrados naquela que é uma das regiões
mais nobres da cidade. Imaginavam-se donas do terreno e, por
estarem lá havia muito tempo, apostavam numa futura
vitória em batalhas jurídicas. Não conseguiram
resistir à pressão da prefeitura e tiveram de
procurar outro lugar para morar; os agenciadores das partidas
perderam suas fontes de renda.
O poder público, porém, não dispunha
de dinheiro para revitalizar a área. O secretário
municipal de Coordenação das Subprefeituras,
Andrea Matarazzo, foi em busca dos patrocinadores mais óbvios
-os empresários que têm negócios nas cercanias
do Parque do Povo.
O mais óbvio deles era Walter, cujo empreendimento
prevê a construção de um shopping center,
de torres de escritórios e de um hotel de luxo, talvez
o Ritz, da França. "Tomei um susto porque ele
topou o patrocínio em menos de 15 minutos", conta
Matarazzo.
Com 20 anos de experiência como construtor, Walter percebeu
que estava diante de um bom negócio -a recuperação
do parque valorizaria a paisagem de seu empreendimento.
Os hóspedes do hotel teriam à sua disposição,
por exemplo, um amplo espaço para exercícios
físicos.
Como a área fica na rota dos aviões e dos helicópteros,
imaginou a elite brasileira admirando do
alto o parque florido, destacando-se da mancha cinza de
prédios. Mais um lance de marketing. "Comecei
a viajar", conta. Nessa viagem, ele foi imaginando a
combinação das cores. Pedia mais árvores,
algumas delas caras, para a felicidade dos paisagistas do
parque, que estavam sem recursos. "Nem sabia mais quanto
estava gastando."
Walter estima gastar R$ 9 milhões, mas já não
está tão certo da relação entre
custo e benefício de seu investimento em um parque
público -a Lei Cidade Limpa limita a propaganda no
terreno. É possível que tenha feito as contas
não com a fria lógica do empresário,
mas com as memórias do adolescente que se divertia
nas partidas de futebol. Se ser dono da bola já é
um privilégio, imagine sentir-se também um pouco
dono do campo.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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