REFLEXÃO


Envie seu comentário

 
 

urbanidade
14/05/2008

O camelô do futuro

"Por que um camelô não podia vender com cartão de crédito?" Ali, começava uma nova história para Tiago


Tiago dos Santos Maciel ainda era criança quando começou sua carreira de camelô vendendo pão nas ruas de Jacobina, no interior da Bahia. Na época, já apostava que seu futuro estava em São Paulo. Acertou: ele acaba de ajudar a inovar o comércio ambulante paulistano, ao enveredar pelas novas tecnologias.

Sua ousadia impressionou a ponto de ter sido chamado para fazer um relato de suas experiências num hotel de luxo diante de centenas de executivos, a maioria dos quais com ensino superior e com cursos de especialização em administração.
"Por que um camelô não podia vender com cartão de crédito?" Essa foi a pergunta que Tiago se fez quando viu, no centro de São Paulo, um cliente pagar a conta de um restaurante diretamente ao garçom por meio de uma máquina conectada por satélite à internet.

Naquela pergunta, começava uma nova história -tanto para Tiago como para os usuários de cartões de crédito. "Imaginei que, com aquela máquina, talvez eu pudesse vender mais bijuterias."

Faz cinco anos que Tiago chegou a São Paulo, estimulado por um parente que elogiou sua habilidade na venda de pão em Jacobina -quando o pão acabava, ele vendia picolés.

"Foi um tio que me disse que, com meu talento, eu tinha de conhecer a [rua] 25 de Março."

Seu primeiro emprego, porém, foi o de fiscal de ponto de táxi em frente ao hospital Sírio-Libanês. Por sua rapidez, logo chamou a atenção de funcionários do hospital, que o convidaram para trabalhar como office-boy, com direito a carteira assinada e a benefícios médicos. Não deu certo. "Eu não conhecia as ruas." Talvez não tenha dado certo por outro motivo: seu espírito empreendedor.

Ao deixar o hospital, levou R$ 250 e foi para a rua 25 de Março, tão falada em Jacobina. Investiu tudo em bijuterias. Ao observar, no ano passado, o garçom com a máquina de cartão de crédito, viu ali um diferencial de marketing. Para ter direito a usá-la, entretanto, era necessário legalizar seu negócio -o que significava não só pagar impostos, mas comprar com nota fiscal, o que não é exatamente norma entre camelôs. "Fiz tudo o que me pediram."

Pelos seus cálculos, as vendas cresceram 20%. O caso chamou a atenção dos administradores de uma bandeira de cartão de crédito (Visa) -já se conheciam camelôs que usavam a máquina, mas todos com ponto fixo e barraca. A diferença é que Tiago sempre anda pela cidade, carregando a mercadoria. Pediram a ele que fosse contar sua história -assim, Tiago, no dia 27 de fevereiro, entrava pela primeira vez num hotel de cinco estrelas e, ainda por cima, falava para gente que nem de longe se dignaria em dar ouvidos à exposição das habilidades de gestão de um camelô.

Isso é apenas o começo. Depois de descobrir o cartão de crédito, Tiago já se prepara para vender suas bijuterias pela internet -desta vez, vai aprender a caminhar pelas redes virtuais.



Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

COLUNAS ANTERIORES:
12/05/2008
Um oásis de emprego para jovens
12/05/2008
O buraco é muito mais embaixo
07/05/2008
Sonhos benignos
06/05/2008
Déficit de QI baiano é verdade
05/05/2008
O professor dos burros
30/04/2008
A comunidade dos pindaíbas
29/04/2008 A aventura dos jovens mestres
28/04/2008
Aventuras radicais
23/04/2008
Máquina do sonho
22/04/2008
Isabella mora ao lado
Mais colunas