O conhecimento
é uma reserva valiosa, que, apesar de estar na superfície,
é uma riqueza longe de ser explorada
A Petrobras informou, na semana passada, que vem encontrando
muita dificuldade na contratação de profissionais
-perfuradores, por exemplo- para trabalhar em plataformas
de extração de petróleo. Esse é
um dos gargalos para transformar em dinheiro as tão
badaladas reservas recém-descobertas que viraram atração
mundial a ponto de o Brasil ser comparado à Arábia
Saudita.
Até pouco tempo atrás, as notícias eram
sobre os trabalhadores qualificados sem colocação,
dos quais muitos aceitavam bicos, pegavam qualquer vaga ou
se mudavam para o exterior. Agora, o debate gira em torno
de empresas como a Petrobras, cujos negócios estão
ameaçados pelo gargalo do capital humano.
São esses alguns dos fatos que explicam por que o país
finalmente vem colocando no topo de sua agenda de preocupações
a expansão do ensino técnico -e por que o governo
federal deu início a uma polêmica com lideranças
empresariais ao tentar mexer na alocação dos
R$ 8 bilhões anuais do chamado sistema S (Sesi, Senai,
Sesc e Senac, entre outros).
Num levantamento feito com 416 empresas brasileiras sobre
quais seriam as atividades mais requisitadas no futuro das
indústrias, a Firjan (Federação das Indústrias
do Rio de Janeiro) constatou que, entre as dez primeiras colocadas,
nada menos que sete são técnicas ou tecnológicas
-é o caso das atividades de técnicos em produção,
conservação e qualidade de alimentos.
Uma pesquisa realizada no início deste ano revelou
que 77% dos egressos das escolas técnicas do Centro
Paulo Souza, ligado ao governo de São Paulo, estavam
empregados; entre os tecnólogos, com formação
superior, a porcentagem chegava a 93%. Há um consenso
de que o mercado de trabalho vai se abrir cada vez mais aos
jovens com formação técnica, o que significa
melhores salários -assim como é consenso que
o Brasil não tem, neste momento, condições
de ampliar rapidamente essa oferta.
Note-se que as projeções indicam que, se tudo
der certo, no futuro o Brasil terá 30% de seus jovens
nas faculdades. Os 70% restantes terão de viver num
mercado de trabalho cada vez mais sofisticado.
Há uma sensação de que se vive uma magnífica
oportunidade. As empresas vão poder ampliar seus negócios
e, ao mesmo tempo, os jovens terão mais e melhores
empregos -o que significa distribuição de renda.
De quebra, um novo papel será dado ao ensino médio
público, cujo currículo hoje não atrai
os jovens que desejam entrar logo no mercado de trabalho -a
profissionalização é uma porta de saída.
Para completar, mais um atrativo, desta vez financeiro. O
custo anual de um aluno numa universidade federal fica em
R$ 9.400; numa escola técnica federal, cai para R$
3.700.
O Ministério da Educação alega que o
sistema S poderia gastar melhor se investisse mais na formação
de técnicos de ensino médio, com cursos gratuitos
e de maior duração.
Os empresários rebatem dizendo que já se oferece
uma razoável cota de gratuidade e que seus cursos focam
o aperfeiçoamento profissional -graças a isso,
em parte, como afirmam as lideranças empresariais,
o Brasil construiu uma indústria sofisticada.
Alega-se também que o governo federal desperdiça
muito dinheiro em seus programas de formação
em convênio com sindicatos e entidades não-governamentais.
Apesar de ruidosa -afinal, está-se lidando com uma
soma de R$ 8 bilhões-, a polêmica sobre o sistema
S é apenas um detalhe de uma agenda que veio para ficar.
O que se discute por trás do debate sobre o ensino
técnico é o avanço na inclusão
e a melhoria na produção, ou seja, maiores lucros
e salários.
O conhecimento é uma reserva muito mais valiosa do
que a de petróleo a ser extraído da profunda
camada pré-sal. É uma riqueza que, apesar de
estar na superfície, está longe de ser explorada
-na questão educacional, o buraco é muito mais
embaixo.
PS - Vale a pena prestar atenção à experiência
de Indaiatuba, cidade paulista que integra a região
industrial próxima de Campinas. Lá já
havia uma escola técnica federal, que oferecia cursos
como automação industrial e logística.
Resultado: índice de empregabilidade de 98%. Os 2%
restantes não estavam empregados porque fizeram outras
opções, já que a oferta de vagas era
maior do que a procura. No início deste ano, a cidade
recebeu mais cursos, desta vez em todas as suas escolas estaduais,
o que não existe em nenhum outro lugar do Brasil. Coloquei
neste link
os detalhes dessa experiência, além de outros
artigos sobre ensino médio.
Coluna originalmente
publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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