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REFLEXÃO


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urbanidade
17/01/2007
Um sonho perdido nas marginais

Um projeto nos anos 60 sugeria que as marginais se tornassem uma área de lazer equivalente a dez parques Ibirapuera

No final dos anos 60, a paisagista Rosa Klias preparou um plano para a Prefeitura de São Paulo sugerindo que as margens dos rios Pinheiros e Tietê se transformassem em uma área de lazer do tamanho aproximado de dez parques Ibirapuera.

Seria, portanto, o maior parque urbano do mundo, inspirado em várias cidades da Europa e dos Estados Unidos que reverenciavam seus rios. "Eu imaginava, em toda aquela extensão, famílias fazendo piquenique, crianças brincando, jovens praticando esportes náuticos", conta Rosa, que, quando criança, apreciava quase todos os dias o Tietê sentada num bonde no seu trajeto até a escola. O rio era, então, uma paisagem bucólica, na qual jovens nadavam ou remavam.

Quando, na semana passada, ela viu pela televisão o desastre da estação do metrô, lembrou-se de um de seus maiores lamentos profissionais -sua incapacidade de evitar a tragédia ecológica em que se transformaram os rios Tietê e Pinheiros.

Ela sustentava, ao apresentar o projeto, que não seria necessário canalizar o rio se fosse preservada uma razoável parte da várzea, sem cimento, capaz de amenizar as enchentes. "Talvez seja só um sonho de paisagista. Mas acho que, com um parque dessa proporção, São Paulo seria hoje muito diferente."

Numa cidade que reverenciava o automóvel como símbolo da modernidade e em que as empreiteiras mandavam (e mandam) nos políticos, o projeto feito por Rosa foi arquivado sem maiores debates. O que aconteceu a partir dali todos sabem: pistas expressas cada vez mais congestionadas. A Ceagesp ajudou a atulhar a região com milhares de caminhões, deteriorando os bairros do entorno. Só foi aumentando o esgoto despejado nos rios.

Uma amostra do sonho de Rosa saiu do papel. É visível graças a Ruy Ohtake, um dos maiores arquitetos brasileiros.

Ruy conseguiu convencer o governo estadual, no final dos anos 70, a evitar uma parte da canalização do Tietê, mantendo seu traçado original. Dirigiu-se ao então governador Paulo Egydio Martins e disse: "Como arquiteto e cidadão, não posso ficar calado diante desse atentado."

O argumento emplacou. Não só não canalizaram um trecho, a partir das proximidades do estádio do Corinthians, como construíram as pistas mais longe do rio. Surgiu, assim, o parque Tietê, um paraíso ecológico paulistano. Vivem por lá aves raras. "Fico só pensando como viveríamos melhor se esse parque não fosse apenas um trecho, mas um cinturão verde em boa parte da cidade."

Em meio à dolorosa lembrança do projeto arquivado, Rosa, assim como Ruy Ohtake, pelo menos conseguiu fazer sobreviver um pedaço de seu sonho. Há três anos, estavam prestes a cimentar as margens do Tietê nas obras de aprofundamento de sua calha. Preferiram, porém, fazer dali um jardim -e, então, chamaram a paisagista para escolher as árvores. "Cidade que não respeita seus rios não se respeita", diz ela.

E a tragédia do metrô é apenas um fragmento desse desrespeito.


Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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