Mudar
o horário foi uma das medidas que fizeram com que aquela
escola abandonada passasse a atrair mais alunos
Um
grupo de neurocientistas americanos revelou, em
2004, por que os adolescentes tinham dificuldade de acordar
cedo. Com base nas descobertas em laboratório, a chefe
da pesquisa, Mary Carskadon, uma referência mundial
em neurologia de jovens, propôs a uma escola que deixasse
os alunos chegarem mais tarde.
Os resultados foram tão impressionantes que ganharam
espaço nas revistas e em congressos científicos.
Escolas estão mudando o horário de início
das aulas e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados
Unidos lançou uma cartilha sobre o sono dos adolescentes.
Afinal, verificaram-se efeitos positivos no desempenho acadêmico,
na disciplina, nas queixas de fadiga, nas taxas de aprovação
e no absenteísmo.
Quase ao mesmo tempo e sem conhecer os complexos movimentos
da melatonina, hormônio associado ao sono, ocorreu uma
experiência na periferia de São Paulo.
A diferença é que a responsável pela
experiência, Rosangela
Macedo Moura, uma solitária diretora de escola
pública, estava fadada ao anonimato, sem direito a
qualquer reconhecimento. A partir desta semana, a injustiça
com pessoas como Rosangela pode diminuir pelo menos num ponto:
no bolso.
Inconformada com a quantidade de atrasos dos alunos e até
dos professores da escola, Rosangela optou por um caminho
inusitado. Enfrentou uma árdua negociação
com os seus superiores hierárquicos e com os pais dos
alunos. Pediu a eles o direito de fazer uma experiência
durante um ano: as aulas só começariam no período
da tarde.
A mudança provocou expressiva redução
do número de faltas dos alunos e dos professores, com
reflexos positivos nas notas e nos índices de repetência.
Mas ela não deposita sua confiança apenas nas
oscilações da melatonina. Faz um corpo-a-corpo
para que os estudantes não fiquem fora da sala de aula.
"Eu caço o aluno no portão. Se ele não
entra, ligo para os pais." O que era uma experiência
transformou-se em solução definitiva.
Mudar o horário foi apenas uma das medidas que fizeram
com que aquela escola estadual abandonada (a Dr. Francisco
Brasiliense Fusco) ganhasse o respeito dos pais e passasse
a atrair mais alunos.
O empenho da diretora é um fator decisivo para que
a escola receba ajuda
externa das mais diversas fontes, a começar de
publicitários (YPY) dispostos a apoiar melhorias na
infra-estrutura, na formação de professores,
na gestão e na compra de materiais didáticos.
Ao final do ano, todo esse esforço vai significar mais
três salários no bolso de Rosangela e de seus
professores.
Estão sendo finalizados os últimos detalhes
do projeto
de premiação em dinheiro para os funcionários
das escolas estaduais de São Paulo cujos alunos tenham
demonstrado melhoria em seu desempenho. Preparem-se para uma
batalha.
Os sindicatos defendem a idéia de que todos os professores
devem receber aumento porque a categoria ganha pouco; acadêmicos
avessos a sistemas de avaliação e imposição
de normas de produtividade que lembram a eficiência
empresarial certamente vão engrossar o coro. Até
que ponto se conseguirá barrar ou postergar essa medida
na Justiça? Terão aliados no Ministério
Público ou entre juízes?
O que está em questão -e, aí, o marco
histórico por trás do bônus- é
até que ponto se consegue fazer com que um pai acompanhe
o "ranking" das escolas como acompanha os resultados
de um campeonato de futebol. Síntese de uma série
de indicadores, o bônus tem a chance de se converter
na tradução do empenho e do talento. Por conseqüência,
vai aumentar a atenção sobre as políticas
públicas responsáveis por formar melhores professores,
manter a infra-estrutura, oferecer sempre aulas de recuperação,
e assim por diante. No final, vamos mexer até na forma
de recrutar professores.
A guerra da educação é uma guerra da
comunicação para fazer com que os pais se sintam
com vontade de dar palpites sobre as escolas como dão
palpites sobre futebol -sintam-se verdadeiros "técnicos".
Isso vai depender da tradução e da popularização
dos indicadores de gestão e, ao mesmo tempo, da disseminação
dos bons exemplos, como o da professora que, como não
conseguiu mudar o fuso horário dos alunos, teve a coragem
de mudar o fuso das escolas.
Não é preciso ser um neurocientista para saber
que reconhecimento (inclusive em forma de dinheiro) é
um potente estímulo cerebral para enfrentar a letargia.
Não é à toa que se vê muito funcionário
público com sono de adolescente.
PS - Em São Paulo, estão elaborando mais um
prêmio em dinheiro. O
dinheiro será dado para as escolas que tiverem os melhores
projetos de envolvimento com a comunidade e com os pais.
Uma série de estudos mostra que esse tipo de envolvimento
tem efeitos positivos no desempenho dos alunos.
Link relacionado:
Professora
do sono
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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