REFLEXÃO


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folha de s.paulo
18/02/2008

Cérebros estimulados

Mudar o horário foi uma das medidas que fizeram com que aquela escola abandonada passasse a atrair mais alunos


Um grupo de neurocientistas americanos revelou, em 2004, por que os adolescentes tinham dificuldade de acordar cedo. Com base nas descobertas em laboratório, a chefe da pesquisa, Mary Carskadon, uma referência mundial em neurologia de jovens, propôs a uma escola que deixasse os alunos chegarem mais tarde.

Os resultados foram tão impressionantes que ganharam espaço nas revistas e em congressos científicos. Escolas estão mudando o horário de início das aulas e o Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos lançou uma cartilha sobre o sono dos adolescentes. Afinal, verificaram-se efeitos positivos no desempenho acadêmico, na disciplina, nas queixas de fadiga, nas taxas de aprovação e no absenteísmo.
Quase ao mesmo tempo e sem conhecer os complexos movimentos da melatonina, hormônio associado ao sono, ocorreu uma experiência na periferia de São Paulo.
A diferença é que a responsável pela experiência, Rosangela Macedo Moura, uma solitária diretora de escola pública, estava fadada ao anonimato, sem direito a qualquer reconhecimento. A partir desta semana, a injustiça com pessoas como Rosangela pode diminuir pelo menos num ponto: no bolso.

Inconformada com a quantidade de atrasos dos alunos e até dos professores da escola, Rosangela optou por um caminho inusitado. Enfrentou uma árdua negociação com os seus superiores hierárquicos e com os pais dos alunos. Pediu a eles o direito de fazer uma experiência durante um ano: as aulas só começariam no período da tarde.

A mudança provocou expressiva redução do número de faltas dos alunos e dos professores, com reflexos positivos nas notas e nos índices de repetência. Mas ela não deposita sua confiança apenas nas oscilações da melatonina. Faz um corpo-a-corpo para que os estudantes não fiquem fora da sala de aula. "Eu caço o aluno no portão. Se ele não entra, ligo para os pais." O que era uma experiência transformou-se em solução definitiva.

Mudar o horário foi apenas uma das medidas que fizeram com que aquela escola estadual abandonada (a Dr. Francisco Brasiliense Fusco) ganhasse o respeito dos pais e passasse a atrair mais alunos.

O empenho da diretora é um fator decisivo para que a escola receba ajuda externa das mais diversas fontes, a começar de publicitários (YPY) dispostos a apoiar melhorias na infra-estrutura, na formação de professores, na gestão e na compra de materiais didáticos. Ao final do ano, todo esse esforço vai significar mais três salários no bolso de Rosangela e de seus professores.

Estão sendo finalizados os últimos detalhes do projeto de premiação em dinheiro para os funcionários das escolas estaduais de São Paulo cujos alunos tenham demonstrado melhoria em seu desempenho. Preparem-se para uma batalha.
Os sindicatos defendem a idéia de que todos os professores devem receber aumento porque a categoria ganha pouco; acadêmicos avessos a sistemas de avaliação e imposição de normas de produtividade que lembram a eficiência empresarial certamente vão engrossar o coro. Até que ponto se conseguirá barrar ou postergar essa medida na Justiça? Terão aliados no Ministério Público ou entre juízes?

O que está em questão -e, aí, o marco histórico por trás do bônus- é até que ponto se consegue fazer com que um pai acompanhe o "ranking" das escolas como acompanha os resultados de um campeonato de futebol. Síntese de uma série de indicadores, o bônus tem a chance de se converter na tradução do empenho e do talento. Por conseqüência, vai aumentar a atenção sobre as políticas públicas responsáveis por formar melhores professores, manter a infra-estrutura, oferecer sempre aulas de recuperação, e assim por diante. No final, vamos mexer até na forma de recrutar professores.

A guerra da educação é uma guerra da comunicação para fazer com que os pais se sintam com vontade de dar palpites sobre as escolas como dão palpites sobre futebol -sintam-se verdadeiros "técnicos".

Isso vai depender da tradução e da popularização dos indicadores de gestão e, ao mesmo tempo, da disseminação dos bons exemplos, como o da professora que, como não conseguiu mudar o fuso horário dos alunos, teve a coragem de mudar o fuso das escolas.

Não é preciso ser um neurocientista para saber que reconhecimento (inclusive em forma de dinheiro) é um potente estímulo cerebral para enfrentar a letargia. Não é à toa que se vê muito funcionário público com sono de adolescente.

PS - Em São Paulo, estão elaborando mais um prêmio em dinheiro. O dinheiro será dado para as escolas que tiverem os melhores projetos de envolvimento com a comunidade e com os pais. Uma série de estudos mostra que esse tipo de envolvimento tem efeitos positivos no desempenho dos alunos.


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Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
   
 
 

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