REFLEXÃO


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urbanidade
28/11/2007

Fina estampa

A moda levou Ana Strumpf, por acaso, a mexer na própria estampa de um pequeno pedaço da cidade de São Paulo


Desde a adolescência, Ana Strumpf, 28, sabia que iria viver da moda. Suas viagens de turismo para os locais mais exóticos, como vilarejos no interior do Brasil, da Índia ou do México, faziam com que pudesse pesquisar sobre diferentes materiais e cores para roupas e acessórios. Isso significa que tinham, para ela, o mesmo valor uma festa junina no sertão da Bahia ou um ritual religioso às margens do rio Ganges.
"As viagens significavam uma coleção de estampas." A moda levou-a, por acaso, a mexer na própria estampa de um pequeno pedaço da cidade de São Paulo.

Para tocar os seus próprios negócios, Ana resolveu se matricular num curso de administração na Faap (Fundação Armando Álvares Penteado). "Logo vi que não tinha nada a ver." Preferiu, então, estudar apenas moda. Fez cursos em Nova York, onde trabalhou como vendedora numa badalada loja de roupas e peças de decoração. "Mais do que o dinheiro que ganhava como vendedora, valia o estágio."
Logo abriria uma sobreloja na rua Oscar Freire, com suas próprias invenções, mas teve de sair de lá, cercada de grifes por todos os lados, e sentiu-se solitária ao alugar um espaço na rua Bela Cintra, nos Jardins -e, por isso, tornou-se uma espécie de corretora imobiliária voluntária.

Ao lado de seu espaço, inaugurado no início deste ano, havia cinco pequenas lojas, todas elas abandonadas há muitos anos. "Fiquei curiosa em saber por que aquelas lojas não estavam alugadas." Acabou por descobrir que todas eram de um único dono, decidido a alugar os espaços para apenas um inquilino, cansado de gerir tantos aluguéis. Ele nem se mostrava disposto a conversar.

Ana viu ali a chance de criar um novo ponto da moda, longe da abarrotada e cara Oscar Freire -ainda mais cara e abarrotada depois das reformas nas calçadas. Ela viu, em Nova York, como muitos bairros aprendiam a desenvolver vocações.
Começou a chamar, então, designers dos mais diferentes tipos de roupa e acessórios e os levou para ver os espaços. Um dos convidados foi o estilista Marcelo Sommer, uma das estrelas da moda paulistana, que topou se mudar para lá.

Vieram então mais quatro designers interessados em se mudar para outro lugar e criar um novo ponto da moda na cidade. Com isso, Ana Strumpf voltou ao resistente proprietário e apresentou o perfil dos candidatos a futuros inquilinos. Ele aceitou fazer o negócio. Quem passa agora pela esquina da alameda Franca com a Bela Cinta observa uma agitação de operários. A inauguração das cinco lojas está prevista para o início do próximo mês. "Já não me sinto mais sozinha."

Sozinha não estará mais. Terá a chance não só de bater papo com os novos vizinhos, mas de movimentar a rua e atrair para aquele ponto uma nova clientela. Se os negócios vão dar certo, não se sabe. O que se sabe é que pelo menos um pequeno ponto da cidade, abandonado, ganhou uma nova estampa.

Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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