Como
poderemos ter uma democracia representativa se a elite do
país não se interessa pelos partidos?
Na passada, o rapper Afro-X cumpriu seu último dia
de uma pena de 14 anos -sete deles no Carandiru e o restante
em liberdade condicional- por assalto à mão
armada. Comemorou a data lançando uma autobiografia
(leia
trechos), intitulada "Ex-157", para tentar explicar
como um jovem é seduzido pelo crime. Entre as inúmeras
razões, segundo ele, destaca-se o político brasileiro.
"Eles transmitem a sensação de que o crime
compensa. São tantas as acusações e parece
não acontecer nada."
Afro-X escreveu o livro para mostrar que, pelo menos para
os pobres, a criminalidade invariavelmente acaba em três
"C"s: cadeia, cadáver ou cadeira de rodas.
"Quando entrei para a bandidagem, tinha certeza de que,
com minhas armas e dinheiro, sempre ia me safar."
Uma pesquisa realizada pelo Datafolha no ano passado mostra
que essa visão é disseminada em toda a juventude
brasileira, rica ou pobre -e acaba provocando um descrédito
à democracia, ojeriza à política e até
tolerância com a desonestidade. Na visão dos
brasileiros entre 15 e 25 anos, a desonestidade, segundo o
Datafolha, está em primeiro lugar, empatada com a violência,
na lista dos maiores problemas brasileiros. Vence, com folga,
o desemprego e a miséria.
Essa pesquisa é especialmente valiosa diante da enxurrada
de notícias sobre desvios que se acumularam nas últimas
semanas. Quanto menor a mazela, mais compreensível
pelos cidadãos -e, por isso, gera ainda mais indignação.
Misturam-se num só saco abusos com passagens áreas
que envolveram de Adriane Galisteu a Fernando Gabeira, em
meio a denúncias de que gabinetes de parlamentares
negociavam bilhetes como se fossem agências de viagem.
Revelou-se que estudantes de famílias ricas foram beneficiários
das verbas do Prouni -algumas delas teriam carros importados.
Um ministro é acusado de ter um motorista particular
pago pelo Senado; um deputado manteria sua empregada doméstica
na folha de pagamentos da Câmara. Para completar, o
presidente do Supremo Tribunal Federal é acusado, em
atrito durante uma sessão transmitida ao vivo, de ter
capangas em terras do interior do país.
Todas essas notícias, recorrentes há tantos
anos, ajudam a explicar a mais trágica das respostas
dos jovens ao Datafolha: 74% não têm "nenhum"
interesse em participar dos partidos. Outros 18% disseram
que teriam "pouco" interesse.
A pergunta óbvia: como poderemos ter uma democracia
representativa se a elite do país não se interessa
pelos partidos? Se a percepção dos jovens, como
demonstra a pesquisa, é a de que a atividade política
está atolada irremediavelmente na lama, quem se interessaria
em ser deputado ou senador? Talvez aqueles interessados em
tirar proveito da vida pública? Entraríamos
num círculo vicioso em que os honestos não fazem
política porque seria um campo dominado por ladrões
-mas, sem os sérios para ameaçá-los,
os picaretas não correriam risco de perder suas vagas.
Estamos metidos num impasse que apenas um segmento pode liderar:
os próprios políticos. Mas, por enquanto, pouca
gente, especialmente jovem, parece disposta a ouvi-los.
PS - Morei 13 anos em Brasília, onde vivem os bastidores
da política. Não acredito que a situação
esteja pior do que antes. Não é a política
que ficou mais ou menos desonesta, mas o país que ficou
mais atento.
Disseminaram-se, em todos esses anos, vários mecanismos
de controle, ampliados pelas novas tecnologias de informação.
Antigamente, havia diversos orçamentos, com imensa
liberdade de ação ao Executivo.
A farra dos bancos oficiais e das estatais era várias
vezes maior do que hoje -até porque havia mais bancos
e estatais. O Ministério Público só ganhou
poderes, de fato, na democracia. Criaram-se marcos históricos
como a Lei da Responsabilidade Fiscal. É muito mais
fácil hoje acessar, destrinchar e divulgar detalhes
das contas públicas.
O sistema democrático fez muito mais para controlar
os recursos públicos, denunciando e até punindo
falcatruas, do que o regime militar. Foi nesse ambiente que
se conseguiu compatibilizar liberdade, estabilidade econômica
e crescimento com um início de distribuição
de renda.
Essa parte da história, feita por políticos
sérios, também precisa ser contada, para que
os mais jovens não desacreditem da democracia e da
política.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
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