REFLEXÃO


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análise
29/10/2007

Aborto, crime e castigo

Não aprendi sobre a violência brasileira lendo livros, mas investigando, desde o final da década de 1980, a situação das crianças e dos adolescentes, quando adverti, por diversas vezes, que iríamos perder o controle da segurança. Aprendi que não existe relação direta entre violência e pobreza (isso sim um preconceito), mas com a desestrutura familiar combinada com a ineficiência policial e a falta de perspectivas aos jovens nas comunidades mais pobres. Essa combinação move a produção da "fábrica de marginais." O governador Sérgio Cabral Filho disse, em essência, o que deveria ser dito: há uma relação entre violência e planejamento familiar.

Nas entrevistas com crianças e adolescentes que fiz em todos esses anos, nas mais diversas cidades, dentro e fora do Brasil, sempre aparece a brutalidade familiar associada à marginalidade de jovens. A família torna-se o primeiro e mais devastador foco de rejeição e de ressentimento, prosseguindo na escola pública que não ensina, no posto de saúde que não cura, na polícia que não cuida da segurança, nos espaços de lazer que não existem e no mercado de trabalho que não oferece empregos para pessoas com baixa escolaridade. Some-se a isso que, em muitas comunidades, o marginal se confunde com o herói, e o policial com o bandido.
Nesse ambiente, uma mulher pobre com muitos filhos pode ser um fator de risco. Isso não é preconceito. É uma obviedade. Quando indesejadas, as crianças recebem menos atenção e sofrem mais agressões. Muitas das crianças de rua que conheci viam na família um inferno e, em grande parte por causa disso, preferiam a incerteza das ruas. Referiam-se, especialmente, aos padrastos, cuja brutalidade é assegurada pela omissão materna.

Não vamos acabar com a violência disseminando o planejamento familiar. Mas, certamente, esse é um ingrediente, inclusive o aborto, que deve fazer parte de um plano de segurança social. Sérgio Cabral teve o mérito de trazer essa dimensão para o debate.


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Coluna originalmente publicada na Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.

   
 
 
 

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