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nós do morro
12/07/2004
Grupo cultural da Favela do Vidigal enfrenta desafio no cinema

Aos 18 anos de existência, o Nós do Morro decidiu enfrentar mais um desafio. Digno de alguém que atingiu a maioridade – e, no seu caso, a maturidade artística também. O bem-sucedido grupo cultural da Favela do Vidigal (Zona Sul carioca) prepara duas adaptações para as telas do espetáculo teatral infanto-juvenil Patunaíma, encenado por jovens atores da comunidade no Teatro do Vidigal e em praças públicas do Rio. No cinema, a história será apresentada como ficção e documentário.

O embrião desta nova empreitada é resultado das aulas de cinema do grupo, que reúnem 40 dos 300 jovens do grupo. O tema este ano é a relação entre o teatro e a sétima arte. Os dois trabalhos terão em média 15 minutos de duração e serão filmados graças a uma parceria com a produtora Cavídeo. A linguagem e o roteiro utilizados em cada um ainda estão sendo discutidos entre alunos e professores, mas a idéia é experimentar, fugir do convencional.

“No caso da ficção, não vamos apenas filmar a peça. A idéia não é só transpô-la do teatro para o cinema, vamos misturar as duas linguagens”, diz Vinícius Reis, 34 anos, cineasta e um dos fundadores do núcleo de cinema do grupo.

Na aula desta terça-feira, 6, a cineasta Carla Camuratti falou aos jovens sobre sua experiência. Ela adaptou para as telonas a ópera La Serva Padrona, de Gianbalista Pergolesi, e fez um documentário sobre a peça Irma Vap, um dos maiores sucessos do teatro brasileiro, com Marco Nanini e Ney Latorraca no elenco. "O próximo projeto dela é gravar uma ficção com Irma Vap. Tem toda uma relação com o trabalho que estamos desenvolvendo", conta Vinícius.

As gravações do Nós do Morro começarão em duas semanas e o objetivo é estar com os vídeos prontos até agosto. A versão em ficção terá o mesmo elenco da peça, que traz a segunda geração de jovens atores do Vidigal. Muitos deles já conhecidos do grande público, como Luiz Otávio Fernandes. Ele interpretou o personagem Buscapé na infância no filme Cidade de Deus e vive Macunaíma no espetáculo.

Preconceito em foco
Patunaíma fala de um encontro fictício do anti-herói brasileiro Macunaíma, personagem criado por Mário de Andrade, e do Patinho Feio, dos contos de Hans Christian Andersen. A peça aborda temas como estética e preconceito. Por serem muito feios, os dois personagens são excluídos pelos seus familiares e amigos. Mas dotados de forte personalidade, eles partem para construir sua identidade própria enfrentando a exclusão a que são submetidos por meio da astúcia e da inteligência. Fred Pinheiro assina a direção da peça e o texto é de Luiz Paulo Corrêa e Castro – dois dos fundadores do grupo de teatro do Vidigal em 1986.

“Todo ano escolhemos um tema e em 2003 trabalhamos a exclusão social. Foi aí que surgiu a idéia de unirmos os dois personagens em uma só peça”, fala Fred.

Para as adaptações, os alunos se dividiram em duas equipes. No curta, a imaginação fértil de uma criança será o ponto de partida das mudanças de linguagens. Logo no início do filme, um garoto vai ao teatro assistir à peça, deixa-se levar pela imaginação e também vive a história na floresta. Ao final do espetáculo, ele se levanta e vai embora do teatro. Luiz Henrique Rodrigues, de 24 anos, que faz o personagem Paiamã, diz estar bastante curioso para ver o resultado das idéias em prática. "O que nós queremos mostrar é onde os códigos que as peças propõem podem levar as pessoas", diz Luiz.

Artur Sherman, de 18 anos, escolheu o grupo de documentário. Junto com amigos, o garoto está desenvolvendo a idéia. A intenção é aproveitar de alguma forma as apresentações nas praças. “Vamos entrevistar o público que viu a peça nestes locais. Perguntar o que eles entendem por bonito e feio, e sobre a importância da estética”, adianta Artur. Os jovens chegaram à conclusão de que fazer entrevistas é pouco. Eles querem mais: pretendem contar a história do preconceito desde a época da escravidão.

Artur entrou no grupo há quatro anos. A empolgação com o teatro - ponto de partida do Nós do Morro - foi ficando para trás na medida em que as aulas de cinema começaram a envolvê-lo mais. Ele então conversou com a direção da escola e pediu para deixar os palcos. No grupo, quase todos os alunos de cinema devem participar paralelamente das aulas de teatro, de literatura, de artes plásticas e de voz. “Eles abriram uma exceção para mim porque já não sou mais iniciante”, conta.

Inserção no mercado
Criado em 1986, o Nós do Morro funcionava apenas como grupo de teatro. Em 1994, os cineastas Vinícius Reis e Rosane Svartman resolveram fazer um documentário chamado Testemunho Nós do Morro, sobre o grupo e com financiamento da Rioarte. Durante as gravações, a dupla percebeu o interesse dos jovens pela parte técnica. No ano seguinte, o vídeo foi lançado e em 96 nasceu o núcleo de cinema do Nós.

Hoje, os resultados são mais que positivos. O primeiro curta produzido pelo grupo, O jeito brasileiro de ser português, de Gustavo Melo, foi o vencedor do concurso da RioFilme em 2000. O roteiro do longa Abalou, desenvolvido por seis de seus integrantes, ganhou, no mesmo ano, um prêmio do Ministério da Cultura. Em 2002, o Nós recebeu novamente o prêmio de Roteiro da RioFilme, desta vez com Mina de fé, de Luciana Bezerra. “Os filmes de Gustavo e Luciana foram passos importantes no nosso grupo. Uma injeção de ânimo para alunos e professores”, afirma Vinícius Reis.

Luiz Henrique, que está no Nós desde 1998, vem acompanhando o desenvolvimento do núcleo de cinema e acha que o caminho é ter o mesmo respaldo do grupo teatral. A boa repercussão das produções já estão proporcionando parcerias e captação de recursos bem-sucedidas. "Estamos formando base, como fizemos no teatro. Temos só que trabalhar e esperar o reconhecimento merecido", acredita.

Da fundação do grupo até hoje, muitos alunos já estão trabalhando como profissionais e também como estagiários em produtoras de cinema. “Como estagiários eles já ganham mais do que os pais”, diz Vinícius. O salário é de cerca de R$ 400.

Casarão abrigará cinema
Segundo Vinícius, que também trabalha como jornalista no canal por assinatura Multishow, o estímulo de trabalhar com jovens de comunidade de baixa renda vem do envolvimento deles com o trabalho. “A falta de oportunidade de fazer uma universidade faz com eles se dediquem bastante às oportunidades que aparecem”, diz.

Desde o ano 2000, a sede do Nós fica em um casarão de mil metros quadrados, no meio do Vidigal, comprado por uma ONG holandesa à Prefeitura do Rio de Janeiro. No lugar onde hoje é a garagem será construída uma filial de cinema do Grupo Estação. O espaço será programado e administrado pela rede. A administração, produção de elenco e produção de cinema funcionam no primeiro andar da sede, que ainda conta com dois amplos salões, biblioteca, sala de vídeo, ilha de edição e um terraço.

Já o Teatro do Vidigal fica nos fundos da escola municipal Almirante Tamandaré e foi construído em 1995 com parte da verba do documentário Testemunho Nós do Morro. “Os próprios integrantes do grupo fizeram a construção, tijolo por tijolo”, diz Vinícius. Uma reforma, com patrocínio da Petrobras, aconteceu em 2001 e atualmente o espaço comporta um público de 70 pessoas. A peça Patunaíma fica em cartaz no mês de julho, aos sábados e domingos, com sessões às 19h.

CARLOS COLLIER
do site Viva Favela

 
 
 

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