Ela
não tem os 1,20 metro de pernas de Ana Hickman, nem
chega perto do quase 1,85 metro de altura de Gisele Bündchen,
mas o frio na barriga que Bárbara Aurelino, de 15 anos,
sentiu ao desfilar pela primeira vez deve ter sido parecido
ao das tops em suas estréias.
Coube a ela, no auge dos seus 1,62
metro de altura, a missão de apresentar, junto de mais
7 meninas, o primeiro desfile de moda da Coocity (nome provisório),
a primeira grife nascida em Cidade Tiradentes, zona leste
de São Paulo. "Só em sonho eu pensei que
um dia seria modelo", disse Barbara, enquanto ajudava
as amigas a se maquiarem para o evento.
Criada e bancada pela Associação
dos Moradores e Mutuários do Conjunto Habitacional
Santa Etelvina (Acetel), a marca mostrou seus primeiros modelitos
em um desfile ontem, entre um show de pagode e outro, em um
palco improvisado na Cidade Tiradentes mesmo.
Na platéia, em vez de especialistas
do mundo fashion, estavam pais, mães, parentes e amigos
orgulhosos e a fim de conferir as tendências de moda
da Coocity.
"Desenhei os modelos e com a
ajuda das costureiras saí em busca dos tecidos no Bom
Retiro", contou a estilista da grife, Verônica
Rodrigues, de 19 anos, que deve retomar seu curso de estilismo
no próximo ano, se a marca der certo.
"As roupas terão boa qualidade,
baixo custo e a cara do que o pessoal daqui gosta de usar.
Não adianta nos inspirarmos nas revistas de moda, nas
tendências internacionais, somos um mundo a parte. A
Cidade Tiradentes tem seu próprio estilo de vida, por
isso, tem de ter sua própria moda."
Como há muitas igrejas evangélicas
na região, a marca pensou nesse público trazendo
entre as peças da coleção saias mais
longas e vestidos clássicos.
Para as meninas mais jovens e modernas,
que buscam roupas justas, peças em stretch. Já
para as crianças, que gostam de roupas mais confortáveis,
apostaram na praticidade do jeans.
Apoio
Além de força de vontade, o desfile
contou com a solidariedade dos moradores do conjunto. As modelos
- com idades entre 4 e 18 anos, a maioria filhas das costureiras
da grife - trouxeram de casa seus melhores sapatos e adereços
para incrementar a estréia da marca.
Cabelos e maquiagem foram feitos pela
professora do curso profissionalizante de cabeleireiro da
região.
"As meninas aprenderam a desfilar
em um curso intensivo de dois dias com uma garota que já
tinha feito um desses cursinhos de manequim", falou a
estilista da Coocity.
Na passarela de Cidade Tiradentes,
saias e vestidos de tecidos fluidos como o crepe, e calças
estruturadas de jeans com lycra predominaram. A ordem da primeira
coleção primavera-verão da grife é
usar e abusar dos tons laranja, pastel e terra, inspiração
buscada nos prédios do Conjunto Habitacional Santa
Etelvina.
Para as mais jovens, calças
pescador de cintura baixa realçando a barriguinha de
fora e tops mais ajustados, quesito obrigatório entre
as meninas que querem arrasar na região. Blusas e saias
transpassadas despontam como o carro-chefe da coleção.
Investindo em um estilo que lembra
Jade em O Clone, os vestidos de festa da grife não
marcam tanto o corpo e podem ser usados por mulheres de todas
a idades e gostos.
"Me inspirei nas cores dos prédios
da região como uma forma de homenagear esse lugar",
contou Verônica. "Também teremos muita roupa
com apliques de fuxico, pois temos uma escola que ensina a
fazer isso na comunidade", explicou ela, já fazendo
planos de lançar no próximo ano maiôs
e biquínis e também moda masculina na grife.
"Achei tudo muito chique, bem
feitinho, parece roupa de shopping", disse a doméstica
Lucimara Lins, de 29 anos, que assistiu ao desfile.
Para o presidente da associação
de moradores da região, Silvio Amorim, além
de facilitar a compra de roupas boas em Cidade Tiradentes
(o shopping mais perto fica a uma hora de lá), a grife
vai proporcionar empregos e aumento renda para muitas pessoas
da comunidade. "As peças serão confeccionadas
pelas 32 costureiras de nossa cooperativa e esperamos contratar
mais gente ", disse ele.
"Também teremos
vendedoras que vão trabalhar como "sacoleiras",
de porta em porta, levando os catálogos da marca",
explicou a estilista Verônica. "Roupa boa, barata
e que faz a comunidade crescer, isso sim é fashion",
garantiu ela.
KEILA JIMENEZ
Do jornal O Estado de S. Paulo
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