HOME | NOTÍCIAS | COLUNAS | SÓ SÃO PAULO | CIDADÃO JORNALISTA | QUEM SOMOS
 

FONTE DE inspiração
20/10/2004

Oficinas gratuitas seduzem jovens de favelas carioca

Apesar da degradação ambiental que ameaça o Complexo Lagunar da Baixada de Jacarepaguá, o meio ambiente ainda é fonte de inspiração para jovens de comunidades da Zona Oeste do Rio. É o que prova a superlotação das oficinas de música, educação e comunicação ambiental oferecidas gratuitamente pelo Instituto Terrazul, na Ilha da Gigóia, Barra da Tijuca. Eles criaram até um canal de TV que aborda a questão sócio-ambiental. A programação é toda feita pelos alunos.

Com câmeras na mão, muitas idéias na cabeça, vontade de cantar e algumas sementes no bolso, os 60 jovens aprendem a fazer hortas, produzir vídeos e ainda participam de um coral com temática ecológica. As oficinas reúnem moradores do local e de comunidades como Rocinha e Vila Canoas (em São Conrado), Rio das Pedras (em Jacarepaguá) e Morro do Banco (na Barra da Tijuca).

O canal de televisão é fruto da oficina de Comunicação Ambiental. Foi batizado de TV Socó, em homenagem ao pássaro de mesmo nome que vive na região. O lançamento aconteceu em junho e, desde então, a programação já tratou de temas como meio ambiente, saúde e cultura. O canal, de número 41, foi cedido por uma empresa de TV a cabo e sua abrangência é a região da Ilha da Gigóia e ilhas do entorno. A programação feita pelos jovens é veiculada às sextas e sábados, das 10h às 11h, e de 14h às 15h.

Moradora de Vargem Grande e responsável pela pauta do noticiário, Valdicéa da Silva Freitas, 20 anos, é das alunas mais engajadas. Ela conta que os temas abordados atendem às demandas da comunidade. "Já falamos do mau cheiro da Lagoa da Tijuca, que pode ser sentido até na Avenida das Américas em época de ressaca. Fizemos também um programa para falar da habitação e ocupação aqui na região, além de entrevistas sobre saneamento, entre outras coisas importantes", conta.

Aprender fazendo
Nas oficinas de comunicação ambiental, segunda-feira é o dia de discutir as pautas com os jovens das outras oficinas, às terças e quartas, é feita a pesquisa sobre os temas selecionados e às sextas os alunos saem pela Ilha para fazer as filmagens. "Tivemos noções de roteiro, áudio e filmagem em uma oficina de Imagem e Vídeo. Ajudou bastante. Mas o resto a gente aprende fazendo", completa a aluna Valdicéa da Silva Freitas.

Ana Paula dos Santos Corsina, 18 anos, moradora do Morro do Banco, é uma das alunas que participam do coral e das aulas de educação e comunicação ambiental. Ela conta que em todas as atividades pode aprofundar seu conhecimento sobre o meio ambiente.

"No começo da aula de coral, o professor fala para a gente fechar os olhos e sentir o que estamos cantando. Quando eu canto "Planeta Água", do Guilherme Arantes, por exemplo, imagino as águas correndo nos rios, lembro de coisas boas. É muito emocionante, várias dessas músicas eu nem conhecia", diz Ana, que incluiu no seu repertório composições como "Sobradinho" , de Sá e Guarabira – aquela que fala que o sertão vai virar mar e o mar virar sertão – "Sempre Verde", de Tom Jobim e até outras menos conhecidas, como "O encontro", de um grupo do interior da Bahia chamado Cantarolama. "Essa fala sobre os manguezais, exatamente um dos temas que a gente estuda na aula de educação ambiental", observa.

De acordo com o responsável pelo Programa de Formação de Jovens Músicos do Instituto Terrazul, Arthur Franco, 35 anos, o objetivo das aulas de Coral é trabalhar, além da musicalidade, outras questões levantadas pelas letras das composições. "Já falamos sobre fé, crença e valor do trabalho, sobre folclore, e o próximo tema a ser abordado é o meio ambiente. Dedico os 30 minutos finais da aula para conversarmos sobre esses e outros assuntos", conta. Se for preciso são utilizados textos de apoio para fundamentar a discussão.

O coral já se apresentou em ocasiões como a celebração do Dia Mundial da Paz, no dia 6 de agosto, no BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o VII Encontro de Educação Ambiental do Estado do Rio de Janeiro, em setembro de 2003, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

O Programa de Formação de Jovens Músicos é realizado em parceria com o Banco Rural, através do Instituto Junia Rabello. Arthur destaca que o compromisso ambiental está presente, inclusive, no material do qual é feito a percussão "Os alunos recolheram algumas latas de óleo encontradas nas margens da Lagoa da Tijuca para fazer o instrumento. O interessante é que os alunos pintam e personalizam as latas", diz.

O coordenador do Instituto Terrazul, Marcos Sant’Anna Lacerda, 40 anos, explica que o trabalho é desenvolvido em três linhas de ação: Capacitação Ambiental; Formação Cultural e Iniciação Profissional. Assim, os jovens podem escolher entre os Programas de Educação Ambiental, de Formação de Jovens Músicos e de Informática. "Nosso objetivo é trabalhar a relação do jovem com o meio ambiente, contribuindo para o resgate de suas raízes e de sua auto-estima", ressalta.

Ajuda na escola
Nas oficinas do Programa de Educação Ambiental - realizado em parceria com a Agência Alemã de Cooperação Técnica GTZ – são abordados temas relativos ao complexo Lagunar da Baixada de Jacarepaguá – fauna, flora e recursos hídricos - entre outras noções de meio ambiente. Nessa oficina, os alunos recebem uma bolsa mensal de R$ 50.

O curso se ramifica em chamados "projetos-ação", tais como o de hortas orgânicas a serem feitas em pequenos espaços. "A horta orgânica do Instituto é aberta à visita dos moradores da região, que podem aprender a técnica com os alunos e reproduzi-la na laje de casa", conta Marcos, coordenador do Instituto.

Como parte do Programa de Educação Ambiental, os jovens são capacitados para atuarem como guias e monitores em passeios ambientais feitos pelo Complexo Lagunar da região. A moradora da Ilha da Gigóia, Tamiris Silva Pereira, 11 anos, está torcendo para ficar mais velha só para poder ser uma das guias.

"Quando eu tiver 13 anos, vou fazer a oficina de educação ambiental e quero também ser guia. Arrastei o professor de informática daqui da oficina comigo, porque os meus pais não podiam ir e eu não podia fazer o passeio sem um adulto responsável", conta ela, que adorou o percurso. "Descobri quais os tipos de mangue que existem: branco, vermelho e preto. Soube que por aqui temos onze ilhas, e eu pensava que fossem apenas quatro ou cinco!", conta ela, que faz as oficinas de música e percussão.

O conhecimento aprendido nas oficinas, é levado para a sala de aula. "Adorei saber que as lagoas do complexo lagunar são interligadas!", diz Valdicéa da Silva Freitas. "O bom é que na aula de biologia da escola a gente já sabe um monte de coisa", completa a moradora da Joatinga, Sandra Maria Dias de Lima, 17 anos

Bronca nos vizinhos
Morador de Vila Canoas, o aluno das oficinas de coral e percussão, Julio César, 15 anos, já vê sua comunidade com outros olhos. "Minha comunidade fica dentro da Floresta da Tijuca. Lá, as pessoas costumam jogar todo tipo de lixo – lixo doméstico e até sofá, geladeira - atrás de um muro. Eu fico com muita pena, às vezes falo para não fazerem isso", diz.

Como parte das oficinas de educação ambiental, a aluna Ana Paula Corsina levou seus amigos do curso para conhecer uma cachoeira da sua comunidade, que desemboca na Lagoa da Tijuca. "Ela tá tão poluída... Muita gente faz piquenique ali. Depois da visita, teve debate sobre o assunto".

Além das oficinas, os jovens participantes também se envolvem em outras ações na comunidade. "Já chamamos, por exemplo, representantes da Comlurb para discutir com a gente o regulamento de limpeza da Ilha da Gigóia. Pegamos o regulamento de limpeza da cidade e adequamos para a nossa realidade, já que aqui não era feito um trabalho sistemático. Hoje esse problema foi resolvido", diz o coordenador do Instituto, Marcos.

A mobilização para as oficinas foram feitas a partir da divulgação nas escolas da região e em Associações de Moradores. A mudança nos alunos é sentida por todos. "Entre os meninos, tinham uns que pintavam o cabelo de amarelo ovo e diziam que era uma forma de mostrar a revolta deles. Hoje em dia, esses jovens resgataram a auto-estima e fazem um trabalho muito bonito", diz Arthur, professor do coral.

Quando questionados sobre as profissões que pretendem escolher, os alunos costumam se mostrar inspirados pelas oficinas. "Cheguei aqui querendo ser bancária, mas agora estou confusa. Talvez eu vire repórter", diz a aluna e responsável pela pauta da TV Socó, Valdicéa da Silva Freitas, 20 anos. Moradora da Joatinga, Sandra Maria Dias de Lima, 17 anos, que atua como câmera e repórter da TV Socó e também faz aulas de educação ambiental já decidiu: "Quero ser arquiteta de construções ecológica".

 

JULIA DUQUE ESTRADA
do site EcoPop

 
 
 

NOTÍCIAS ANTERIORES
19/10/2004 Hortas comunitárias melhoram qualidade da alimentação nos centros urbanos
18/10/2004
Basta dar carinho para fazer uma criança feliz
18/10/2004
Comunidade avaliará qualidade da escola
15/10/2004
Professora implanta coleta seletiva em Roca Sales
15/10/2004
Arno lança projeto contra o desperdício de água
15/10/2004
Mulheres aprendem técnicas de cozinha
15/10/2004
Projeto estimula prática de esporte na terceira idade
13/10/2004
Primeira indústria de reciclagem dirigida por catadores começa em 2005
13/10/2004 Projeto desenvolve vocações locais na Bahia
13/10/2004
Crianças ajudam idosos