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cultura
18/03/2005
Lei de Fomento será reformada

A captação de recursos pela Lei Rouanet bateu novo recorde em 2004. O teatro foi o campeão. Somente em São Paulo, foram beneficiados 81 projetos no valor de R$ 24,7 milhões. A divulgação desses dados, em reportagem publicada no dia 25 de fevereiro no Estado, mostrou que eles são inversamente proporcionais às constantes queixas de penúria da classe teatral. Em dezembro, o secretário da Associação de Paulista de Produtores Teatrais (Apetesp), Paulo Pélico, chegou a fazer uma analogia entre os artistas paulistanos e os lavradores do semi-árido Vale do Jequitinhonha (entrevista ao Estado, publicada em 10 de dezembro). Na mesma ocasião, um grupo de artistas havia pedido audiência no Senado para solicitar mais recursos para o teatro. Qual a explicação para essa contradição?

Paulo Pélico reconhece um aumento significativo na captação por meio da Lei Rouanet. "Antes de mais nada, muitas dessas captações terão reflexo em 2005, talvez nisso resida parte desse sentimento contraditório", diz. "Houve realmente um aumento na captação, mas a demanda ainda é maior do que o dinheiro oferecido." Ele credita as dificuldades dos produtores à ausência de mecanismos de captação nas esferas municipal e estadual. "A verba destinada à Lei Mendonça, vinda dos recursos do ISS e IPTU, só conseguiu cumprir compromissos anteriores. E nada, absolutamente nada foi feito na esfera estadual. A lei do ICMS é letra morta."

Mas será só isso? Num primeiro olhar sobre os maiores captadores (leia ao lado), nota-se desde projetos que escapam do âmbito do teatro profissional, como o Criação Teatral, passando por outros que parecem não se enquadrar na categoria teatro, como A Sociedade do Amanhã, cujo objetivo é sensibilizar estudantes sobre a preservação da natureza, até aqueles muito vagos, como Grandes Baratos, projeto de circulação de espetáculos 'de qualidade', que não especifica quais seriam. E a concentração de recursos não seria outro fator para essa sensação de míngua de recursos? Só o musical Chicago, por exemplo, concentrou 16% desses R$ 24,7 milhões. "Os musicais são importantes, não acho que o problema seja esse", alerta Paulo Pélico. Mas ele defende ajustes na Lei Rouanet. "O espetáculo de um grupo de cultura popular não deveria concorrer no mesmo balcão dos musicais, deveria haver um olhar diferenciado."

Consultor de marketing cultural, Yacoff Sarkovas acha que a questão é mais ampla. "Dinheiro público deveria ser distribuído por critérios que obedecessem um projeto de política cultural. "Dinheiro para o teatro, mostram esses números, existe, o que não existe é uma política cultural que defina o que é de interesse público. Imagine o efeito positivo de um edital de R$ 24,7 milhões para o teatro? Um edital com regras claras, definindo uma porcentagem desse dinheiro destinada à estabilização e fomento de companhias teatrais, outra para as produções independentes, outra para os grupos de pesquisa."

Yacoff faz questão de afirmar que defende a existência de todo tipo de teatro. Mas adverte que raramente a lógica do mercado coincide com a do interesse público. "São coisas complementares, raramente estão alinhadas." Como consultor de empresas, ele defende que patrocínio privado deve ser feito com inteira liberdade, sem cerceamentos, e com dinheiro privado. Já o poder público tem de se responsabilizar pela aplicação do dinheiro público. "Se o poder público decide que sua prioridade é produzir musicais da Broadway para formar mão-de-obra especializada e estimular que sirvam de modelo para o futuro fortalecimento da indústria cultural brasileira, ok. Mas assuma e defenda isso como critério. O fato é que dinheiro público tem de ser distribuído pela lógica do interesse público, e isso não é abstração. Basta definir o que é interesse público na área da cultura. O teatro deve ser visto como patrimônio da Nação, algo a ser preservado, assim como os monumentos públicos, a arquitetura, as bibliotecas."

Eduardo Tolentino, diretor do Grupo Tapa, prefere não discutir as 'aberrações' do sistema. "Não quero discutir esse ou aquele espetáculo. No Brasil, é erro comum a confusão entre distribuição de verba e política cultural. Sempre se discute o primeiro. Enquanto não houver esse entendimento, a discussão não avança e as aberrações permanecem."

O Programa Municipal de Fomento ao Teatro está suspenso por prazo indeterminado. A lei nº 13.279, aprovada pela Câmara Municipal em janeiro de 2002, que cria o programa, "está sendo examinada por um Conselho Jurídico e precisa ser alterada", informa Zecarlos Andrade, o novo diretor do departamento municipal de teatro. "Sei que uma análise bastante apurada está sendo feita. Não entendo de filigranas jurídicas, mas tenho participado de algumas reuniões e fui informado de que existem inconstitucionalidades na lei. O objetivo não é sua extinção, mas seu aprimoramento." A classe teatral marcou assembléia na segunda-feira, no Teatro Fábrica, para debater o tema.

Aprovada por unanimidade e sancionada pela prefeita Marta Suplicy, a lei do Fomento funcionou durante 2,5 anos, teve 5 edições, beneficiou 53 grupos, que criaram 79 espetáculos e atingiram um público estimado em 1,3 milhões de espectadores, em diferentes zonas da cidade. No momento, grupos que já prestaram contas, entre eles o núcleo dirigido pelo fundador do Arena José Renato, não receberam a última e devida parcela pela prestação de serviços.

"Sua suspensão no momento era inevitável. Não seria possível assumir um novo compromisso quando o município encontra graves dificuldades para pagar débitos anteriores", diz Andrade. A cláusula considerada inconstitucional diz respeito à dotação orçamentária. A chamada Lei do Fomento vincula receita, ou seja, o corpo da lei garante verba no orçamento da cidade para o seu cumprimento. Segundo o Estado apurou, só leis voltadas para educação e saúde poderiam vincular receita. Mas há informações contraditórias. Como a dotação para o cumprimento do Fomento em 2005, de R$ 9 milhões, já foi aprovada na Lei do Orçamento, não haveria ilegalidade no cumprimento deste ano.

Porém a questão da institucionalidade não é a única. Há outros pontos em discussão, como o índice de reajuste do valor destinado ao fomento. "Do jeito que está, pode chegar um momento em que esse reajuste acabe sendo maior do que o índice que reajusta a arrecadação do município." As questões financeiras não são o único entrave. "A lei define que a comissão que seleciona os projetos seja escolhida, por meio de votação, pelos próprios concorrentes, vinculados à Cooperativa Paulista de Teatro. Evidente que essa comissão acaba por escolher os grupos cujos trabalhos eles conhecem e acompanham. O resultado pode ser o beneficiamento de apenas uma tendência ou segmento da atividade teatral. E há um grande segmento da classe teatral insatisfeita. Antunes Filho criticou os critérios dessa escolha", argumenta.

A comissão que seleciona os projetos contemplados é composta de três representantes escolhidos pela classe teatral e três pela Secretaria Municipal de Cultura. A Cooperativa Paulista de Teatro agrupa 80% dos grupos teatrais da cidade. "Da mesma forma que uma política para a saúde não se destina aos médicos, o transporte coletivo não beneficia apenas motoristas ou a educação aos professores, o programa de fomento ao teatro destina-se aos cidadãos e não a uma corporação de ofício", argumenta Fernanda Rapsarda, integrante do Conselho de Núcleos Artísticos do Fomento.

Andrade garante que as alterações necessárias serão feitas mediante ampla discussão com diferentes segmentos da atividade teatral. "Queremos discutir com o Zé Celso, com o Antunes, com todos os grupos cooperativados, com a Apetesp, com todos os interessados." Mas há um problema de ordem prática. A lei está em vigor - na prática, não está sendo cumprida. Emendas, reformas, novas leis, tudo isso toma muito tempo. E uma lei só pode ser alterada no legislativo. Qual o prazo? "Não sei definir, mas tenho feito esforços para que tudo seja resolvido o mais brevemente possível. E, evidentemente, que depois de discutida, a lei pode ser votada em regime de urgência."

E qual será a reação da classe teatral diante disso? "Por enquanto estamos tentando a negociação, a sensibilização do poder público para a importância do programa", diz José Renato. Porém a partir da assembléia da classe teatral, na segunda-feira, outras decisões serão tomadas.

Quanto aos pagamentos em atraso, Andrade afirma que não há qualquer possibilidade de não serem cumpridos. "Tanto o prefeito José Serra, quanto o secretário Emanoel Araújo já deixaram bem claro que esses compromissos serão honrados."

BETH NÉSPOLI
do O Estado de S. Paulo

   
 
 
 

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