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reciclagem urbana
30/08/2004
Centrão muda, mas não recupera glamour

Paixões tórridas entre estrelados artistas brasileiros deram lugar a uma loja de água engarrafada e uma fábrica de salgadinhos. Clássicos da MPB agora soam como calçados à venda. E a boate que já foi um dos maiores inferninhos da noite paulistana nos anos 60 está perdida numa galeria lotada de agências de turismo.

A São Paulo que nunca pára se recicla constantemente. Na próxima terça-feira será reaberta a Galeria Olido, na avenida São João. O degradado edifício terá agora três cinemas, teatro e laboratórios de artes gráficas e digitais -uma nova iniciativa cultural para a revitalização da área central.

Mas o que aconteceu com os palcos das paixões e noitadas que marcaram a geração boêmia da cidade dos anos 50 e 60, a primeira a invadir o centro madrugada adentro?

A maioria das casas continua de pé, mas pouco resta dos bares, restaurantes e salas de espetáculo que abrigavam a intelectualidade e a vida artística da metrópole que estava sendo erguida.

Hoje, há no "centrão" uma São Paulo ambígua: a decadente -com as ruas sujas e violentas- e a que floresce em meio ao caos, com centros culturais moderníssimos, como a reformada Pinacoteca, a Sala São Paulo, o Centro Cultural Banco do Brasil e o novo Mercado Municipal.

Enquanto urbanistas divergem sobre a eficácia dos novos empreendimentos culturais para o revigoramento da região, a Folha percorreu o roteiro boêmio e entrevistou artistas que viveram aqueles anos. Nessa regressão, colocou o "centrão" no divã.

"Foi um tempo deslumbrante. Tudo estava para ser feito e todos mostravam uma energia inesgotável", diz a atriz Fernanda Montenegro, que se destacou logo nos primeiros anos do TBC, o Teatro Brasileiro de Comédia, meca dos atores brasileiros na época em que São Paulo comemorava seus 400 anos e tinha pouco mais de 2 milhões de habitantes.

Litros de uísque
Ao lado do TBC havia um pequeno bar chamado Nick. Tinha um piano, um pianista que sempre acabava a noite bêbado e um picadinho de carne que ninguém esquece. E uma portinha lateral que dava passagem para o teatro.

Foi o suficiente para virar o ponto de encontro de atores, diretores e músicos. "Era o ninho da aristocracia teatral, com o que isso tem de bom e de ruim. Muita gente que freqüentava tinha idéias pseudo-hollywoodianas", alfineta Montenegro.

Refúgio de atores iniciantes em busca de fama, o Nick também foi palco de amores dos já famosos. Casado com a "primeira-atriz" do TBC, Cacilda Becker, o diretor Adolfo Celi se apaixonou por outra mulher. Era a atriz Tônia Carrero, com quem se casou meses depois.

"Tinha tanto artista junto que as paixões se intercambiavam", conta o ator Raul Cortez, que hoje raramente vai ao centro da cidade de noite. No número 305 da rua Major Diogo não há nem sinal do Nick. Nesse endereço funciona uma fábrica de salgadinhos.

A poucas quadras dali, na frente de uma distribuidora de água engarrafada, na rua Martinho Prado, o contrabaixista Sabá olha para seu instrumento. Melancólico, o músico que acompanhou Elis Regina, Johnny Alf e Dick Farney fala das madrugadas do Baiuca.

"Depois de tocar toda a madrugada, os músicos se reuniam num banco de jardim na praça da República." Foi lá ele que conheceu os futuros parceiros do Jongo Trio, que em 1964 acompanhariam Elis Regina e Jair Rodrigues no show "Dois na Bossa", que catapultou a cantora gaúcha à fama.

Sabá, nascido Sebastião Oliveira da Paz, acompanhou a Folha nesse roteiro boêmio até a Galeria Metrópole, atrás da Biblioteca Municipal Mário de Andrade. Depois de quase 50 anos, voltou ao lugar onde funcionava o Le Club, um dos inferninhos mais disputados por músicos e jovens. Foi lá, por exemplo, que Plínio Marcos exibiu suas primeiras peças.

Hoje, só o jardim continua igual. Os três andares estão agora preenchidos por lanchonetes e agências de turismo. "Acabou o charme da região. Você acha que alguém viria aqui para se divertir?", pergunta Sabá.

Dobrando a esquina, na praça Dom José Gaspar, ficava outro ponto concorrido, o Paribar. Então uma casa de perfil parisiense, misto de restaurante e café com diversas mesinhas na calçada, hoje abriga uma loja popular de artigos de couro.

A trajetória do jornalista e escritor Ruy Castro, que investigou a boemia carioca e paulistana no livro "Chega de Saudade", é exemplar da transformação da região. "Quando cheguei em São Paulo, em 1979, a época de ouro do centrão já não existia, estava morta. O quente era a área dos Jardins, a zona sul", lembra.

A decadência veio aos poucos. O inchaço populacional da cidade e a expansão da mancha urbana para os bairros e para a periferia diluíram a concentração de atividades. O aumento do preço dos aluguéis também afugentou moradores.

O Clubinho dos Artistas, inferninho que funcionava no porão do Edifício Esther, na esquina da avenida Ipiranga com a Sete de Abril, é reflexo dessa transformação.
Fundado pelo artista plástico Olavo de Carvalho, reunia arquitetos, advogados, jornalistas e boêmios de todo quilate.

No salão outrora freqüentado pelos pintores Lasar Segall, Manabu Mabe e Di Cavalcanti e pelo historiador Sérgio Buarque de Holanda, há hoje, em meio à fauna urbana, executivos engravatados e garotas de programa.

Nos anos 70, a região central sentia a mudança da clientela. A área conhecida como "Boca do Lixo", nas proximidades da Estação da Luz, era freqüentada por atores e atrizes desempregados em busca de uma ponta numa das pornochanchadas que lotavam os cinemas brasileiros. Os teatros mudaram-se para os Jardins, na zona sul, e logo foram seguidos pelos bares e restaurantes.

Para o diretor teatral Maurice Vaneau, um belga que adotou São Paulo como seu lar, a cidade nunca mais foi a mesma. "Não havia uma procura pelo luxo e conforto, como ocorre hoje. Quem vinha para o centro buscava uma experiência intelectual. Agora, precisa rodar os bairros para encontrar."

O ator Walmor Chagas, que recentemente trocou São Paulo por um sítio na Serra da Mantiqueira, afirma que a identidade cultural da cidade mudou. "Não há mais volta. A vida cultural noturna que acontecia nos bares nos anos 60 se profissionalizou. A cidade precisa de novos pólos e não viver apenas do passado."

 

FABIO SCHIVARTCHE
da Folha de S.Paulo

 
 
 

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